Pular para o conteúdo principal

Estamos caminhando para virar a página

'Estamos caminhando para virar a página'

Entrevista: Marco Antonio Villa
Adauri Antunes Barbosa
DEU EM O GLOBO

Para historiador, crise do Senado é produtiva por representar "morte política de Sarney" e da "maioria comprada"

A crise que envolve o Senado e atinge em cheio o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), tem um lado “muito positivo” e “produtivo” para o historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Segundo ele, Sarney é o “símbolo maior” do coronelismo no país, e a crise pode provocar sua morte política, com uma mudança positiva para a democracia brasileira.

— Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis.

Por isso esta crise é extremamente saudável.

Estamos caminhando para virar a página — afirma Villa, que acusa senadores de se venderem para compor a maioria do governo: — São comprados.

O GLOBO: Sarney tem razão ao alegar que a crise só existe por ele ser aliado do governo?

MARCO ANTONIO VILLA: É verdade, não é só o Sarney. O Senado teve outros presidentes e Mesas compostas por vários senadores. Quer dizer, a crise é do Senado. Mas não é só do Senado. É do Senado e do Sarney. Afinal, ele já tinha sido duas vezes presidente do Senado. As denúncias contra Sarney já são conhecidas no Maranhão há muito tempo. O que está sendo denunciado agora, em esfera nacional, a oposição fala no Maranhão há quatro décadas. No Maranhão todo mundo sabe! E isso está sendo muito positivo porque a nação está conhecendo quem é o senador José Sarney. Isso é bom, muito produtivo.

Por que produtivo?

VILLA: Sarney é o cacique que está há mais tempo na política brasileira, é extremamente nocivo.

Toda essa crise que ele está vivendo me parece uma espécie de dobra de finados. A partir dali, acho que é a morte política do Sarney. Ele está caminhando para essa morte política.
Evidentemente, ele ainda tem um poderzinho, mas já não tem mais o mesmo poder que tinha.

O que poderia significar essa morte política de Sarney?

VILLA: No Maranhão, Sarney deu um golpe de Estado com o auxílio do Tribunal Superior Eleitoral (sua filha Roseana assumiu o governo). É algo absurdo! Nunca vi isso. A derrubada de Jackson Lago é algo gravíssimo para a democracia brasileira. E houve um silêncio nacional. É bom lembrar que a presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (Nelma Sarney) é cunhada dele.

E ele já tinha dado um golpe de Estado gravíssimo no Amapá.

Teve a eleição do João Capiberibe (PSB-AP), e por compra de dois votos a R$ 24 cada um. Um escândalo. Isso mostra que ele tem muita força política no centro do poder. Mas, com a crise de agora, essa força diminuiu sensivelmente.

Acho muito positivo porque um dos obstáculos para a plena consolidação da democracia brasileira é o poder coronelístico.

E o símbolo maior desse poder é Sarney.

Para o senhor, Sarney é o grande coronel do Brasil?

VILLA: Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis.

Por isso essa crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página, para o fim desse poder antidemocrático representado pelos oligarcas.

E o maior deles é Sarney.

Qual a dimensão dessa crise atual do Senado?

VILLA: É certamente a maior crise da história do Senado.

Sinceramente, desde 1890, na primeira eleição da República, quando foi criado o Senado republicano, não me lembro de outra crise tão grave e tão longa como esta que estamos vivendo.

É gravíssimo ter uma Casa onde a direção política era dada por um funcionário, o diretor-geral. É o único Senado do mundo ocidental em que a direção política é dada por um funcionário.

O Senado brasileiro é uma “casa de horrores”, como definiu a revista britânica “The Economist”?
VILLA: Infelizmente, é triste, mas verdadeiro. É uma casa de horrores, mesmo! A nomeação de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o Conselho de Ética é um escândalo. Imagine, é um suplente! O conserto pode ser dado pelo eleitor daqui a um ano, quando forem renovados dois terços do Senado.

Para o senhor, só o eleitor pode mudar o Senado?

VILLA: Se não acreditarmos nisso, não há saída. A única saída é que o eleitor tenha consciência. E o eleitor de todos os estados. A gente, normalmente, imputa ao eleitor dos estados mais atrasados eleger qualquer senador. Mas São Paulo, por exemplo, tem um senador que está fazendo papel pífio nesta situação, que é o Aloizio Mercadante. O outro, Romeu Tuma, que é o corregedor, é omisso. E veja o caso de Minas Gerais, que tem um suplente, o Wellington Salgado, exercendo a senatoria há quatro anos...

O senhor disse que a Justiça tem sido omissa em relação às denúncias no Senado.

VILLA: Essas denúncias são gravíssimas. A cada dia tem uma, duas, três... Aí é papel da Justiça. Mas a grande questão é que a Justiça é omissa. Foram crimes gravíssimos cometidos no Senado, e com a absoluta omissão da Justiça.

O Executivo compra maiorias"

O Executivo pode governar à margem da fiscalização de um Congresso paralisado?

VILLA: Os poderes conferidos pela Constituição de 1988 a Executivo, Legislativo e Judiciário nem sempre são claros. Por incrível que pareça! Já são mais de 20 anos com a Constituição.

O que pode acontecer com o esvaziamento do poder político do Congresso?

VILLA: A saída é, de um lado, o eleitor renovar seus representantes, tanto no Senado como na Câmara. De outro, no caso de crimes, a ação da Justiça.
E o terceiro caminho, que também é muito difícil que ocorra, é o Executivo ter uma nova relação com o Legislativo.

Esse também é um problema grave. O Executivo compra maiorias no Legislativo. Nas esferas das prefeituras, dos estados e, no caso do governo federal, isso é explícito. E essa compra de maioria acaba fortalecendo, no caso do Senado, especificamente os senadores que são “menos identificados com os valores republicanos”, para ser educado.

Quais senadores o senhor diz serem “comprados”?

VILLA: São senadores com pouquíssima participação nos grandes debates nacionais. E são comprados. Essa maioria comprada tende também a ter um momento de mudança. Se o eleitor pode mudar isso ano que vem, na eleição, a Justiça pode mudar agindo, o Executivo pode mudar também. Mas como ele pode mudar essa relação perversa com o Executivo, independentemente de que presidente seja eleito em 2010? Que (o candidato) busque uma aliança programática, estabelecendo pontos programáticos, e explicite isso à população na campanha e, especialmente, antes de tomar posse.

Essas alianças programáticas podem se contrapor à compra da maioria?

VILLA: Sim. Aliança na base do “é dando que se recebe” é crise inevitável. Se olharmos o Congresso nos últimos 15 anos, é difícil encontrar um ano que não tenha um problema. Ou gravíssimas crises. É por causa dessa relação perversa do Legislativo com o Executivo, essas compras de maioria.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,...

Jackson Lago - uma biografia para o nosso tempo

JACKSON LAGO uma biografia para o nosso tempo [1] O Grupo Escolar Oscar Galvão e o Colégio Professor Vidigal ainda estão lá, em Pedreiras, como testemunhas vivas a guardar memórias desse maranhense exemplar aí nascido em 01/11/1934. Estruturava-se, então, uma rara vocação de serviço e servidor público, sua marca indelével por toda a vida. De Pedreiras a São Luís, onde freqüentou o prestigiado Colégio Maristas, Jackson Lago foi amadurecendo, mesmo que adolescente, sua aprendizagem de mundo e seu convívio humano e cultural com a admirada Atenas Brasileira. Vocacionado a servir e a salvar vidas, formou-se médico cirurgião na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, aprimorando-se também na residência médica do Departamento de Doenças Pulmonares da Policlínica Geral da Cidade do Rio, então Capital político-administrativa e cultural do Brasil. Com a alma encharcada de chão das vivências da saga do arroz e d...

A Educação do Brasil

A Educação do Brasil: cinco contrapontos necessários Este livro é fruto de um esforço de sistematização sobre cinco questões relevantes presentes no debate sobre a educação pública do Brasil e que tenho abordado em aulas, conferências e intervenções públicas, sobretudo para estudantes na Universidad Autónoma de Baja California (UABC), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Centro Universitário IESB, Universidade Estadual de Roraima (UERR), Centro Universitário UNDB, Faculdade Santa Luzia e Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Portanto, há uma postura didática na minha escrita para responder às seguintes perguntas: 1. Existe só descontinuidade nas políticas educacionais brasileiras? 2. A infraestrutura escolar não importa para a qualidade do ensino? 3. Sobra recurso e falta gestão na educação pública? 4. A qualidade do ensino se resume aos resultados das avaliações? 5. As escolas militares são solução para os problemas da educação pública? Organizei as respostas para essas p...