NO MARANHÃO, TUDO SE APEQUENA
Jhonatan
Almada, historiador, integra o quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA)
Publicar
no Maranhão é um grande desafio. Ter acesso a um dos jornais diários é um
exercício de sorte. Parece-me que um espírito de província se arraigou ao ser
maranhense e, por conseguinte, às suas quase instituições. É como se o velho do
Restelo tivesse saído dos Lusíadas de Camões e se apossado do Maranhão. Aqui,
tudo se apequena. A internet ainda é o meio mais democrático de expor ideias
sem os constrangimentos dos acordos para ser publicado.
As
universidades públicas atribuem títulos de Doutor Honoris Causa quase exclusivamente a políticos locais (caso da
Universidade Estadual) ou a personalidades locais (caso da Universidade
Federal), sempre com a exigência do local, isto é, que a pessoa tenha dado uma
contribuição para o Maranhão. Nunca entenderam a parte do espírito
universitário de Alceu Amoroso Lima que menciona ser a universidade, também
universal, portanto, extensível e parte de toda a humanidade. Ela não se pode restringir
ao local, regional ou nacional, mas a partir deles alçar voo para o mundo.
Por
esse raciocínio, instituições como a Universidade de São Paulo (USP) não
poderiam atribuir o título de Doutor Honoris
Causa ao francês André Malraux, ao argentino Ernesto Sábato, ao português
Mário Soares ou ao sul-africano Nelson Mandela. Nenhum deles preenche essa
exigência provinciana de ter contribuído com alguma unidade federativa do
Brasil, pois sua contribuição é para com a humanidade, seja do ponto de vista
cultural, seja do ponto de vista político. Isso vai para além do Restelo.
Talvez
a Universidade Federal do Maranhão, na gestão do Reitor Natalino Salgado, mude
essa leitura enviesada do espírito universitário, pois sinaliza atribuir o
título de Doutor Honoris Causa ao
japonês Daisaku Ikeda, filósofo e pacifista internacionalmente reconhecido e a
Ignacio Rangel, economista já falecido, cuja contribuição primordial foi para
com o Brasil. O ano de 2014 é o centenário de nascimento de Ignacio Rangel, a
Universidade e o Conselho Regional de Economia, presidido por Felipe de
Holanda, estão organizando importante programação para os dias 25, 26 e 27 de
março. Coordenei a produção do livro “Ignacio Rangel, decifrador do Brasil”,
com artigos de intelectuais de todo o país, cujo lançamento faz parte dessa
programação.
Há
alguns anos, contribuí na organização de um livro sobre as políticas
educacionais na América Latina e no Brasil contemporâneo, reunindo
contribuições de pesquisadores do Chile, da Bolívia, da Argentina, da Colômbia,
do Equador e do Brasil. Somente 5 (cinco) exemplares do livro foram impressos,
sob a alegação de que a Universidade Federal do Maranhão não possuía recursos
no orçamento para tal impressão. Até hoje o livro está por publicar.
Isso
é uma amostra de como o espírito de província também se relaciona com a
baixíssima internacionalização da graduação e da pós-graduação no Maranhão. Essa
miopia localista desloca o global para o abstrato ou o campo da impossibilidade,
ante a justificativa de que: ‒ primeiro temos que estudar o Maranhão, depois
estudamos os outros. É como se o
ensinamento de Ignacio Rangel nunca tivesse ocorrido, o Brasil é um país dual,
para compreendê-lo é preciso perceber a interação entre local e global, entre as
relações externas e internas, entre o país e o restante do mundo. Isso é mais
válido ainda para o Maranhão, periferia de uma semiperiferia.
A
necessidade de novas universidades no Maranhão é patente. Criá-las sob o mesmo
espírito das existentes seria um equívoco enorme. O maranhense Neiva Moreira foi
um jornalista e político de expressão nacional. Manteve presença significativa
e engajada no campo das relações internacionais entre o Brasil e o então
Terceiro Mundo, quando essa categoria significava o não alinhamento com a
rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética. Nada justifica que a
Universidade pública ignore solenemente Neiva Moreira. Sequer um Curso de
Relações Internacionais voltado para a cooperação e solidariedade com os países
do Sul, foi criado ainda, muito menos um Instituto de Relações Internacionais “Neiva
Moreira”.
Esbarramos
em outro ponto do espírito de província. As instituições locais, tal como
Gonçalves Dias, preferem cantar a natureza que a humanidade. A devoção à
natureza não é verdadeira, pois ela mascarou, por exemplo, a escravidão. Não
que toda literatura tenha que ser engajada, outra tolice, mas é mais fácil topar
com uma Universidade Regional dos Cocais, do que com um Instituto de Relações Internacionais
“Neiva Moreira”.
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