CENTENÁRIO DE IGNACIO RANGEL
Jhonatan Almada, historiador
Entre os dias 25 e 26
de março de 2014, São Luís sediará os eventos comemorativos pelo centenário de
nascimento do economista maranhense Ignacio Rangel (1914-2014). Os eventos
foram organizados pelo Conselho Regional de Economia do Maranhão (CORECON-MA) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com
apoio da Academia Maranhense de Letras e da Vale.
Ignacio Rangel nasceu
dia 20 de fevereiro de 1914, na cidade de Mirador, alto sertão. Filho do juiz
Mourão Rangel, cedo se envolveu na militância política, participando da
Revolução de 1930 (tinha 16 anos), bem como, pegou em armas na tentativa de
tomada do poder pela Aliança Libertadora Nacional em 1935 (com 21 anos).
Amargou alguns anos de prisão no Rio de Janeiro e de domicílio coacto em São
Luís. A prisão foi transformada em Universidade por Rangel, pois criou junto
com outros presos, intelectuais de todo o Brasil, treze cursos que funcionavam
no presídio do Rio. Tentando entender as razões de sua derrota, na prisão,
Rangel elaborou o gérmen de sua contribuição teórica original para a
interpretação do Brasil.
Formou-se em Direito
na antiga Faculdade de São Luís, sendo que anteriormente, havia iniciado cursos
de Medicina no Rio de Janeiro e de Agronomia em São Luís. Durante seu domicílio
coacto suas principais influências foram Antônio Lopes, professor da Faculdade
de Direito e liderança intelectual no Maranhão daquele período; Arimatéia Cisne
que o ensinou latim, aprendizado que nunca esqueceu, pois seus textos guardam
inúmeras expressões latinas; e João Vasconcelos Martins e Caio Carvalho da
firma Martins, Irmãos & Cia, onde trabalhou e adquiriu conhecimento prático
de economia, área para a qual seu interesse convergiu e nela mergulhou de forma
autodidata.
A partir de um
arranjo feito por amigos, consegue obter documentos para viajar ao Rio de
Janeiro e participar da Primeira Conferência das Classes Produtoras, chefiando
a assessoria da Associação Comercial do Maranhão no evento. De lá não retornou
mais, tempos depois, mandou buscar sua esposa e filhos. Trabalhava como
tradutor e modesto jornalista em meio expediente, guardando o tempo restante
para o estudo disciplinado de economia. Seus artigos publicados no Jornal do
Brasil, Digesto Econômico, Panfleto, Diretrizes e Diário de Notícias, chamaram
a atenção do presidente Getúlio Vargas e de sua Assessoria Econômica, então
chefiada pelo baiano Rômulo de Almeida.
Em 1952, Rangel passa
a fazer parte do seleto grupo de assessoramento direto do presidente Vargas, um
grupo de jovens com formações diversas, mas majoritariamente nordestino. O alto
grau de dedicação ao trabalho desse grupo, varando madrugadas e fins de semana,
fez com que fossem apelidados de “boêmios cívicos” pelo presidente. Eis aqui
uma trajetória singular. Rangel parte da luta política na juventude para os
quadros técnicos de alto nível do aparelho de Estado brasileiro, onde
frutificaram suas principais contribuições, entre elas, os projetos de criação
da Petrobrás e da Eletrobrás. Nenhum Presidente da República posterior teve
Assessoria similar.
No ano seguinte
ingressa no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e em 1954 faz um
curso na Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) em Santiago do Chile,
estabelecendo laços com Raúl Prebisch e Jorge Ahumada. Lá soube do suicídio de
Vargas e se declara getulista, retornando ao Brasil e assumindo a chefia do
setor de projetos do BNDE. Anos depois, atua na Coordenação do Plano de Metas
do presidente Juscelino Kubistchek e na assessoria do presidente João Goulart,
chegando a ser convidado para assumir a presidência do que seria hoje o Banco
Central. Recusou-a alegando preferir a liberdade que o assessoramento conferia.
Trabalha no BNDE até se aposentar, mantendo o vínculo mesmo depois disso. Nunca
deixou de escrever para revistas e jornais ao longo de todo esse tempo, a Folha
de São Paulo foi um deles.
Ainda que não tenha
tido uma carreira universitária tradicional, Rangel nunca se furtou ao debate
acadêmico. Foi um dos principais professores dos cursos do Instituto Superior
de Estudos Brasileiros (ISEB), sendo verdadeira “usina do pensamento” daquele
Instituto, logo fechado pela ditadura de 1964. Um golpe de morte em uma
instituição inimitável cuja relevância só pode ser compreendida quando
atentamos que naquela conjuntura, o Brasil não possuía número significativo de
Universidades e programas de pós-graduação. A originalidade do pensamento de
Ignacio Rangel e as influências dos intelectuais hegemônicos de esquerda e de
direita, entre eles, Celso Furtado e Delfim Netto, recompensaram-no com muitos
silêncios, omissões e apropriações sobre sua obra. Apesar disso e felizmente,
seus contemporâneos, coetâneos e amigos jamais permitiram que esse silêncio
perdurasse.
Desde então, quase
sem interrupções, Rangel produziu uma obra de peso, verdadeiros clássicos, como
os livros “Dualidade Básica da Economia Brasileira”, “A Questão Agrária
Brasileira” e “A Inflação Brasileira”, todos publicados em dois volumes “Obras
Reunidas” pela Editora Contraponto. Entre suas teses mais importantes estão a
dualidade básica e a inflação. O Brasil só pode ser compreendido pelo
conhecimento da dinâmica entre suas relações internas e externas. Rangel aponta
para a influência das transformações dos países de capitalismo central no país,
mediada pelas elites nacionais, combinando a conservação de formas arcaicas e a
criação de formas modernas. O país é dual, ao mesmo tempo, antigo e moderno,
velho e novo. Portanto, não se pode analisar o Brasil apenas do ponto de vista
interno ou externo, pois a análise fatalmente será incompleta.
A inflação é um
instrumento a ser utilizado de forma prudente como mecanismo de defesa da economia
nas crises, o abuso desse instrumento pode gerar tanto a hiperinflação quanto a
depressão econômica. As crises no sistema são regulares, ocorrem em ciclos
longos (50 anos) e curtos (10 anos), a economia brasileira se insere e sofre as
consequências dos ciclos, ora crescendo nas brechas de oportunidade, ora
estacionando no fim dos períodos de prosperidade. Enquanto a maioria dos
economistas surfava na onda do milagre econômico da ditadura de 1964, Rangel,
baseado nos seus estudos, diagnosticava que em breve o milagre teria fim e a
economia entraria em crise. Anos depois, a crise do petróleo de 1973 arremessa
o Brasil em uma de suas maiores crises que perdurou durante a década de 1980 e
boa parte dos anos de 1990.
O reconhecimento de
Rangel no Maranhão foi tardio. Poucos anos antes de seu falecimento no dia 4 de
março de 1994, recebeu o título de Economista do Ano pelo Conselho Regional de
Economia, foi eleito para a Academia Maranhense de Letras e deu nome a sala no
Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão. O resgate de
Rangel se deu pelas mãos de jovens intelectuais dos anos de 1980, sediados no
antigo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes), Rossini Corrêa,
Raimundo Palhano, Pedro Braga e Maureli Costa que o entrevistaram e publicaram
o livro “Fio de prosa autobiográfica com Ignacio Rangel” (1991).
Essa é apenas uma
síntese das contribuições de Rangel. O fundamental é resgatá-lo para o presente.
Os eventos comemorativos do Centenário de nascimento são o passo inicial.
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