Jhonatan Almada, historiador, integra o quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Mudar a política no Maranhão
e democratizar o Estado passa, necessariamente, por uma nova relação entre este
e a sociedade civil. Uma dificuldade fundamental é a distância entre a retórica
do discurso de luta e as formas concretas de implementação das políticas
públicas, formas que nem sempre correspondem às reivindicações históricas da
sociedade ou ao proposto pela sociedade civil.
Recentemente, ocorreram duas experiências
de consulta à sociedade civil: o Ciclo de Debates pós-SBPC promovido pela
Universidade Federal do Maranhão na gestão do atual reitor Prof. Natalino Salgado
Filho e a escuta de organizações da sociedade civil realizada pelo jornal Vias
de Fato.
A
SOCIEDADE CIVIL E A UNIVERSIDADE.
O Ciclo de Debates pós-SBPC, rara ação da Universidade voltada diretamente à
realidade onde está inserida, resultou na publicação de um caderno de
proposições tendo por eixos orientadores: democracia, desenvolvimento
sustentável, universalização de direitos e acesso à justiça e combate à
violência. Dezenas de instituições públicas, privadas e da sociedade civil
participaram. Em cada eixo foram identificados problemas, propostas de
superação, ações que viabilizam essas propostas, responsáveis pela execução e
prazo para a execução.
Ainda que represente uma
leitura dos problemas maranhenses a partir dos referidos eixos orientadores,
como quase todo documento de planejamento participativo, esbarra na identificação
dos responsáveis, nos prazos para a execução e, especialmente, no financiamento
das ações.
Exemplo disso, o tratamento
dado ao tema da educação. O primeiro problema apontado é a baixa oferta de
vagas para os ensinos médio e técnico no Estado, cujas propostas de superação são as de criar mais vagas e expandir a oferta de cursos de formação inicial para
professores em todo o Estado. Os responsáveis são o Ministério da Educação, o
Governo do Estado e as Prefeituras Municipais.
O ensino médio de formação
geral foi expandido no Governo José Reinaldo, contudo essa expansão não se viu
acompanhada, monitorada e avaliada. Assim, temos cidades com uma única escola
de ensino médio ou cidades sem escola alguma. A qualidade do ensino é
precaríssima.
O ensino médio técnico foi
expandido exclusivamente pela intervenção do Governo Federal com a criação de
campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA)
em várias cidades. O Governo do Estado não tem qualquer participação na
expansão do ensino técnico. A questão que se impõe em relação a esse ensino é
se as pessoas formadas encontrarão trabalho ou deverão criar seu próprio
trabalho em municípios economicamente deprimidos.
Ora, tanto a expansão de
vagas quanto a oferta de cursos de formação inicial ocorrem desde os anos de
1990 e 2000, com atuação da Universidade Estadual do Maranhão e Universidade Federal
do Maranhão. Entretanto, essas iniciativas nunca passaram por um amplo processo
de avaliação para a tomada de decisão, existem pesquisas pontuais para consumo
acadêmico, não para a decisão governamental.
Um segundo problema apontado
é que os sistemas de ensino são desarticulados. A proposta de superação é a
criação de um sistema único de ensino sob a responsabilidade dos atores
institucionais já mencionados. Talvez com a exceção do município de São Luís,
não existem sistemas municipais de ensino, no máximo que o há, são redes de
escolas mais ou menos geridas pelas Secretarias Municipais de Educação. Um
sistema implica, no mínimo, em um Plano de Educação, um Plano de Carreira e
Remuneração, um Conselho Municipal de Educação atuante, um Fundo Municipal de
Educação, uma Secretaria Municipal que o coordene e uma Lei que o institua como
tal.
Conheço inúmeros municípios
do Maranhão, ora atuando como consultor, ora como planejador, e em nenhum deles
encontrei esses elementos, sequer do ponto de vista meramente formal.
O terceiro problema apontado
foi o desvio e desperdício de recursos públicos para a educação tendo como
proposta de superação o fortalecimento dos conselhos municipais de controle e
fiscalização e a implementação da lei de acesso à informação. A ação é
regulamentar os conselhos em cada ente federado e os atores institucionais
citados são a Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas do Estado
(TCE), Ministério Público (MP), Instituições de Ensino Superior e Conselhos.
É sabido que a maioria dos conselhos
municipais é formal e não funciona na prática. Além de formais, são parentais, seus
membros são ligadas a parentela do prefeito da vez. O principal meio de acesso
à informação dos municípios ainda é o rádio e a televisão. A internet quando
chega é via rádio e sua utilização se atém a geração mais jovem. A CGU, o TCE e
o MP têm iniciativas pontuais no campo da fiscalização e controle, no entanto, essas
iniciativas não são integradas e não tem densidade suficiente para superar os
entraves corporativos ou os impedimentos advindos das relações de poder entre
seus membros e a sociedade política local.
O quarto problema é a gestão
escolar ineficaz e ineficiente, cuja superação passa pela definição de
critérios para a escolha e permanência dos gestores escolares, tendo como
atores institucionais as Secretarias Municipais de Educação e a Secretaria
Estadual.
A gestão escolar ineficaz e
ineficiente não é responsabilidade exclusiva do gestor. Existem escolas no Maranhão,
reconhecidas e premiadas, que conseguem desenvolver um trabalho razoável a
despeito das péssimas condições de trabalho que enfrentam. É fundamental
definir os critérios de escolha do gestor, mas crer que após essa definição
tudo se resolverá é ilusório. A permanência do gestor deve estar vinculada a
implementação de um programa de gestão e, assim como ocorre na sociedade
política, não pode ficar mais de dois mandatos no cargo. Fazer isso, sem
transferir recursos suficientes às escolas e fiscalizar a sério as prestações
de contas dos gestores também se mostrará ilusório.
O quinto e último problema é
a formação continuada ineficiente e insuficiente, cuja proposta de superação é
a realização de programas de formação vinculados a uma política única de
educação sob a liderança das Secretarias Municipais de Educação e Secretaria
Estadual.
Rios de dinheiro correram
para a formação continuada de professores no Maranhão, empresas e consultorias
foram contratadas, cursos foram ministrados, até palestras motivacionais. Nada
disso surtiu efeito real na prática do professor na sala de aula. Existe uma
quebra entre a formação e essa prática. A solução não é facilmente
identificável, pois não há um acompanhamento efetivo da implementação do
currículo pelo professor, seja por parte das coordenações pedagógicas, gestores
escolares ou Secretarias.
As explicações sobre os
péssimos indicadores educacionais maranhenses não ultrapassam o plano macro.
Quando muito incluem as escolas enquanto generalidade, mas omitem-se quanto às
salas de aula, o professor e o aluno, ao aderir a soluções genéricas baseadas
em tecnologia, sem metodologia de ensino.
A
SOCIEDADE CIVIL POR ELA MESMA.
O jornal “Vias de Fato” mantém uma linha editorial fora dos padrões dos veículos
da mídia dominante no estado, publicando artigos e matérias posicionadas no
espectro mais progressista, com fortes vínculos com a Universidade e a
sociedade civil organizada. Propôs as seguintes perguntas a organizações da
sociedade civil: 1) “O que precisa ser feito para que haja, realmente, uma
mudança social e política no Maranhão? 2) O que é fundamental, imprescindível e
prioritário para que se vivencie, de fato, um processo de mudança? e 3) qual o
papel da sociedade, dos setores ligados às causas populares, nesta conjuntura?.
As organizações que
responderam foram: a Comissão Pastoral da Terra (CPT-MA), Cáritas Brasileira,
Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos (SMDH), Movimento dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), Conselho Indigenista Missionário
(CIMI-MA), Grupo de Estudos Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e Central
Sindical e Popular (CSP-Conlutas).
A resposta da SMDH é das mais
ilustrativas. Elege o modelo oligárquico e suas práticas de coronelismo e
patrimonialismo como óbice a ser combatido e vencido, entende o voto como o
início de um processo que não se esgotará em um mandato e entende que o papel
da sociedade é mais que votar, fiscalizar, cobrar, reclamar. Concluem afirmando
que sabem o caminho errado, mas não sabem o caminho certo.
O MST argumenta que o
Maranhão precisa de outro projeto de sociedade, o que ultrapassa o período eleitoral
e implica em um modelo de desenvolvimento que invista na pequena agricultura e
na reforma agrária. Entendem que derrotar a oligarquia Sarney é parte da
mudança, mas não por si só. É fundamental um projeto político em que a sociedade
seja protagonista.
A CPT entende que a mudança
não virá por meio de um processo eleitoral e não acredita nas formas
tradicionais de fazer política. A mudança virá pela mobilização e organização
do povo, o qual deve lutar pela reforma agrária/regularização fundiária, contra
a grilagem, a violência no campo e a impunidade dos agentes públicos.
A CIMI-MA defende a ideia de
um Estado Plurinacional que assegure o respeito aos povos indígenas e suas
culturas. Compreende que somente pela maior participação popular é que as
mudanças avançam. O desafio é criar novas formas e mecanismos de participação popular
que sejam respeitadas pelos poderes instituídos, sobretudo na gestão de
entidades como INCRA e ITERMA.
A Cáritas entende que é pelo
diálogo com a sociedade que se encontrarão as saídas para os problemas
maranhenses, pois se a sociedade sabe o que não quer, ainda não tem clareza do
que quer. Uma ampla mobilização social a partir dos territórios traria, pela
construção coletiva, troca de experiências e conhecimentos, o caminho a seguir.
Por isso, a organização não acredita na liderança de um para resolver as
questões que nos desafiam a todos.
A CSP-Conlutas compreende que
a dominação da oligarquia Sarney é a principal responsável pela persistência dos
problemas de exploração dos trabalhadores do campo e da cidade advindos com o latifúndio,
a corrupção, o agronegócio e a violência sistemática, exemplificados na
situação do Presídio de Pedrinhas a atingir especialmente negros e pobres.
Critica as organizações da sociedade civil em geral, argumentam que foram
cooptadas pelos governos e acreditam nas ilusões eleitorais. Entendem que é pela construção coletiva que
as mudanças ocorrerão de fato.
A resposta do GEDMMA critica
a economia dos grandes projetos ou dos enclaves que excluem a maioria da
população dos possíveis benefícios e fortalecem a concentração de riqueza. Defendem
a valorização de uma economia sustentável em escala micro e não capitalista,
preservando o ambiente, valorizando a cultura local, promovendo ampla reforma
agrária e investindo em educação e saúde fora da lógica de mercado. Propõem a
criação de fóruns permanentes constituídos por movimentos sociais e setores
ligados às causas populares que possam superar os processos eleitorais e se
situar no longo prazo.
OS
LIMITES DA SOCIEDADE CIVIL. O
campo e a questão da terra são temas comuns a todas as respostas das
organizações da sociedade civil. Entretanto, nenhuma dessas organizações
mencionou formas concretas de garantir que a redistribuição de terras não se
perca no caminho. Conheci inúmeros assentamentos abandonados na região
tocantina, pois apesar de receberem apoio financeiro, nunca tiveram assistência
técnica. Mais que reforma agrária, o desafio é garantir condições de
permanência aos que vivem no campo e do campo. Isso não é uma questão de mais
ou menos participação popular, mas de educação, convencimento, recursos e
assistência técnica. Nada garante que as atuais gerações tenham interesse em
permanecer no campo e não seguir para o canto da sereia das cidades.
Salvo as propostas do GEDMMA,
mesmo carentes de concretude, a maioria das organizações se resguarda na
fórmula: mais participação igual à mudança. Enxergam na mobilização popular o
caminho, o passe de mágica de onde irão brotar as saídas para os problemas
maranhenses. Crer no povo, não nos pode omitir do processo educativo de longo
prazo a ser realizado, com eles. Mais ainda, não podemos adotar um caminho de
irracionalismo e de idealização, segundo o qual, basta o povo dizer o que quer
e tudo será resolvido.
Há uma confusão entre
participação e educação política. A população maranhense foi consultada inúmeras
vezes por vários governos e entidades da sociedade civil produzindo documentos
com suas reivindicações e necessidades, ontem e hoje. Os Diálogos pelo Maranhão,
realizados por Flávio Dino, principal e mais viável liderança política da
oposição, são uma forma de consulta. O não atendimento dessas reivindicações e
necessidades ao longo do tempo as tornou quase publicamente conhecidas. Isso
significa que criar e instituir novas instâncias de mediação entre Governo e
Sociedade enquanto formas de verbalização das necessidades populares é uma
medida necessária, mas não suficiente. Existe um trabalho de educação política
por fazer.
A retórica da participação popular
adotada pelas organizações da sociedade civil revela o quanto essas entidades
ainda adotam os mesmos termos do debate vigentes durante a Ditadura Militar de
1964 e a redemocratização dos 1980. Como diria Ignacio Rangel, não aprenderam e
não esqueceram quase nada desde então. Retórica, por que essas organizações
perderam o povo, sobretudo as novas gerações. O mundo não corresponde a dois
lados claramente delineados como naquela conjuntura, bem e mal, bom e ruim.
Exemplo disso, é que nem os
jovens que tomaram as ruas, nem as pessoas dos protestos por melhorias nos
serviços públicos, passaram ou passam por essas organizações, atuam sem elas e
sob o risco de serem apropriados pelos conservadores mais nazistas. Salvo o
MST, a maioria dessas organizações se omitiu ou se posicionou contrariamente ao
Governo Jackson (2007-2009), repetindo e acatando as interpretações
academicistas que só veem mudanças intra-oligárquicas ou mudanças com práticas
oligárquicas. Essa cegueira continua.
O mais grave é a desvalorização
das eleições na democracia representativa, presente em todas as propostas. Ora,
os que estão no poder concorrem e ganham justamente essas eleições.
Desvalorizá-las ou subavaliá-las como uma oportunidade para iniciar a mudança,
abre espaço para a manutenção dos que já estão no poder e paralisam essas
organizações em um trabalho de educação política que seria fundamental.
Entendo que a relação entre
Governo e Sociedade civil é importante para carrear mais forças progressistas
em um contexto político conservador, mas não é pré-condição para se consolidar
a alternância do poder. A sociedade civil organizada tem seus limites na
explicação da realidade, na proposição de soluções para os problemas
maranhenses e na articulação do conjunto da população. Ainda que ela seja o mais
progressista que temos no Maranhão, não implica as opções mais corretas ou
viáveis para a mudança da estrutura ou atuação na conjuntura.
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