A
ALTERNÂNCIA DO PODER E O PROBLEMA DA “FULANIZAÇÃO” NO MARANHÃO
Jhonatan Almada, historiador e integrante do quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão.
Ignacio
Rangel eximiu-se com maestria da teoria descolada da realidade, característica
marcante de boa parte da intelectualidade brasileira até os dias de hoje.
Preocupado com os problemas brasileiros e sua relação com o mundo,
incessantemente buscou estudar e debater para produzir pensamento próprio,
identificar caminhos, apontar e implementar soluções. Essa é a marca de sua
originalidade em um cenário de pensamento colonizado, tanto a esquerda, quanto
à direita, e mesmo entre os que não estão em nenhum dos dois extremos, sequer
no meio.
É
necessário sair do insulamento da capital São Luís e conhecer a miríade
Maranhão. É nos municípios que emerge uma realidade a ser analisada em suas
relações regionais, nacionais e internacionais. Aí percebemos que os partidos
quase sempre não traduzem no âmbito local posicionamentos ideológicos, os quais
são quase exclusivos das discussões acadêmicas de pequenos círculos. O que
reúne as pessoas no seio de um projeto é a capacidade que ele tem de responder
assertivamente aos seus problemas. Problemas superados em muitas cidades e
estados do Brasil ou países pelo mundo, mas teimosamente presentes em terras
maranhotas.
A
falta de abastecimento de água e a erosão no município de Bom Jesus das Selvas,
a ausência de segurança pública em Buriticupu ou de educação do campo em Itinga
e a precariedade da infraestrutura urbana de Cidelândia são exemplos disso, exemplos
que pude testemunhar de perto. A partir desses problemas podemos identificar a
corrupção a desviar o dinheiro destinado a resolvê-los, o abandono das obras
públicas iniciadas, o cansaço em relação a promessas feitas em período
eleitoral, a frustração com a política tradicional, a revolta com o grupo
dominante, quase sempre pessoalizado pela governadora Roseana Sarney e o
sentimento de que a hora da mudança chegou.
É
curioso ouvir o grupo dominante falar sobre a riqueza do Maranhão, pois seu
senso comum ilustrado confunde propositalmente a própria riqueza com a do
estado. O mais grave é que mesmo diante das problemáticas dos municípios
apontadas aqui, esse grupo anuncia a oferta de internet gratuita para todos ou
o asfaltamento de ruas em lugares que sequer água nas torneiras existe, menos ainda
cabos de fibra ótica para transmissão de dados e acesso a internet.
O
simulacro das ordens de serviços, assinadas de forma intensiva e desesperadora
em vários municípios do Maranhão, já foi identificado pela população como mais
um engodo desse grupo. A maioria viu a atual governadora uma única vez, em
2010, quatro anos atrás, assinando ordens de serviços similares com pompa e
circunstância. Em 2014, quatro anos depois, as obras previstas foram
abandonadas ou nunca saíram do papel timbrado. Viveiros de morcegos e jardins
de grama dançam no inacabado, caçoando da indignação das pessoas.
Paulo
Freire nos ensinava que no processo de diálogo com os outros, os temas por eles
levantados podiam não dar conta de articular uma explicação de conjunto ou não
caracterizarem alguns aspectos ignorados naquele determinado contexto. O dever
de quem se vê na coordenação do diálogo é introduzir temas que complementem e
articulem esse conjunto, com toda a humildade de quem aprende enquanto ensina.
O problema do planejamento participativo é fazer crer, tanto para os que
participam, quanto para os que sistematizam, que tudo será resolvido. O fator
tempo e recursos é limitado no Maranhão, o artigo de Abdelaziz Aboud Santos
sobre a dívida pública explica bem isso ao abordar tema pouco analisado pela oposição
– o endividamento é a solução final do grupo dominante para inviabilizar um
projeto de desenvolvimento para o Maranhão.
A
fulanização na política maranhense nos cega quanto à complexidade da oligarquia
local. Acusar Roseana Sarney de incompetência, escondida nas estratégias de
marketing e na estética da propaganda governamental, não é difícil. Taxar Luís
Fernando ou qualquer outro que servisse para tal como um mero poste a serviço
da permanência do grupo dominante também não é nada complicado. Ir além o é.
Roseana é uma política com mandato que representa um grupo dominante
constituído por inúmeras famílias poderosas e enriquecidas pelos cinquenta anos
de mando. Esse grupo tem seu núcleo central e se articula com pequenas células
de dominação em todos os municípios. Essa articulação instituiu uma prática de
relação indireta com a população local baseada no vil metal e no favor. A
mediação das lideranças que se mostrem fiéis ao grupo cumpre esse papel, sem
que as próprias lideranças se vejam como integrantes dessa prática e sem que
isso resulte no atendimento dos anseios mais pungentes daquela população.
O
ponto é oportunizar essa compreensão às lideranças existentes trazendo-as para
uma nova perspectiva de cultura política no Maranhão, possibilitar a emergência
de novas lideranças e potencializar a relação direta com a população local a
partir de formas de comunicação e articulação política diferenciadas,
alternativas. A questão não é contemplar todas as demandas que são verbalizadas,
mas priorizar aquelas que mais afetam a dignidade dos munícipes. A permanência
do grupo político dominante tornou algumas dessas demandas comuns a todos os
municípios. A falta de água é um exemplo disso, este problema a pesar e a
aleijar as costas dos cidadãos e cidadãs que precisam carregar seus baldes d´água
se quiserem beber, foi ignorado plenamente por décadas, em uma terra com rios e
lençóis freáticos perenes.
Respeitar
essas lideranças e suas trajetórias, respeitar os adversários e aqueles que
pensam diferente de nós ou se posicionam em diferentes campos, é fazer política
no sentido popular, democrático e republicano. O enfrentamento se dá entre
diferentes ideias, visões, leituras, convicções e posições sobre nossa
realidade, não entre “fulanizações” ou ilações de conflitos pessoais. O desafio
maior é colocar o bem comum de todos e cada um no primeiro plano do nosso
esforço coletivo para mudar o Maranhão e entender que a unidade da oposição na
atual conjuntura é crucial. O que deve ser inegociável é a decisão dos que
lideram a mudança de atender aquelas necessidades mais prementes dos cidadãos
dos municípios, com prioridade e transparência na aplicação dos recursos
públicos.
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