MARANHÃO: O DESASTRE DA DÍVIDA PÚBLICA
por Abdelaziz Aboud Santos
economista e ex-Secretário de Estado do Planejamento e Orçamento
Conforme estudo de Lúcia Fatorelli,
da previsão orçamentária para 2014, equivalente a 2,4 trilhões, 42,42% do
referido Orçamento da União serão para pagamento de juros e serviços da dívida
pública. Nenhuma política governamental disporá de recursos que, minimamente,
se aproximem desse patamar: na saúde não chegará a 4%, na educação a pouco mais
de 3%, nos transportes ao redor de 1% e na segurança pública a ridículos 0,35%,
apenas para citar aquelas políticas públicas supostamente consideradas mais que
prioritárias pelos que governam o país, dados os clamores sociais. Se no plano
federal a situação possui esse contorno paradoxal e desafiador, na esfera dos
estados, em muitos casos, o panorama é desastroso, como a situação maranhense,
em particular.
As dificuldades começam pelo fato de
que algumas unidades federadas não contam com equipes técnicas capazes de
discutir a sua dívida fundada com o Governo Central. Limitam-se tão somente a contabilizar a
amortização do capital e pagar os juros e acessórios incidentes sobre a dívida,
pagamentos que, de resto, já vêm devidamente subtraídos das receitas do Fundo
de Participação dos Estados, eis que a União é garantidora dos financiamentos que
os estados contraem. Esse é precisamente o caso do Estado do Maranhão, ou seja,
exerce apenas o controle contábil do montante da dívida pública.
Ao tempo do governo Jackson Lago, e
por decisão do Governador, que queria por a limpo a natureza e o montante da
dívida contraída ao longo das administrações anteriores, contratou-se consultoria
especializada para auditar a dívida fundada do Estado, com cláusula de sucesso,
tarefa que consumiu muitas horas de trabalho e propiciou oportunidade única de reflexão
crítica por parte da SEPLAN.
Os resultados preliminares da
auditoria deixavam claro que a União sobrecarregava o Tesouro Estadual com
acessórios financeiros não previstos nos contratos originais, além de terem
sido identificados pagamentos em duplicidade
de encargos e prestações. O
trabalho de auditagem ficou inconcluso em virtude da cassação do governador,
mas até onde a investigação pode ir, já se antevia o ressarcimento de centenas
de milhões de reais, pagos indevidamente aos cofres da União.
A dificuldade inicial consistia na
conciliação de contas com o Banco do Brasil, na qualidade de agente financeiro
do Tesouro Nacional. Desacostumado a ser interpelado sobre a justeza dos
encargos que cobrava, referida Instituição relutava em consentir que houvesse
incorrido em erro nos juros incidentes, quanto mais na duplicidade de
prestações. Somente fundamentada na
análise de uma auditoria do mais alto nível de especialização e competência, o
Estado poderia intimar o BB a provar a justeza dos seus cálculos, para assim
confirmar o que cobrava, ou quedar-se ante os nossos argumentos, ressarcindo,
então, o Tesouro Estadual dos recursos que, na nossa convicção, lhe haviam sido
subtraídos ao longo de muitos anos.
Nesse meio tempo, o governo Jackson
Lago tomou a corajosa decisão de transferir do Bradesco para o Banco do Brasil
todos os recursos do Tesouro - recursos públicos em bancos públicos é a regra
constitucional que não era observada pelos governos anteriores, vindo, em
seguida, a transferir também a folha de pagamento dos funcionários do Estado,
até mesmo baseado em pesquisa de preferência, onde mais de 90% dos servidores
optaram pelo BB. Essa medida criou um ambiente propício às discussões com o BB sobre
a justeza dos números da dívida, mas fez com que se voltasse contra o nosso governo
a ira do BRADESCO e da VALE - em cujo capital aparece o Fundo de Previdência
daquele banco – e o nosso governo perdesse rápida e surpreendentemente a
simpatia do Governo Federal.
Mas, tudo isso era pouco. O Estado precisava,
de fato, elevar a sua capacidade de investimento, o que só seria possível pelo
alongamento do perfil da dívida pública. A estratégia para isso era chamar o
Banco do Brasil à responsabilidade conjunta pela renegociação da dívida junto
ao Tesouro Federal, com o lançamento de títulos públicos no mercado
internacional, avalizados pela União. Essa era a negociação madura que iria
destravar o investimento público, negociação de resto frustrada com a cassação
imoral do ex-governador Jackson Lago.
Além da paralisia dessas negociações
essenciais para restabelecer o fluxo de investimentos públicos, vem agora a informação
de que o Estado celebra (ou celebrou) operação de crédito externa com o Bank of
America e a Merril Lynch (BofaML), no
valor de US$-661.967.121,34, para
quitação dos “resíduos” das Leis 8727 e 9496 ( Parecer PGFN/COF/Nº 1224/2013,
de 24.06.2013). Vale lembrar que tais dívidas são remanescentes da CAEMA e da extinta
COHAB, além de outras do próprio Governo, constituídas nas décadas de 80 e 90.
Justamente dívidas que contestávamos, já que estavam eivadas de erros e
inconsistências. No caso específico da Lei 8727/93, da qual no nosso caso a
maior devedora é a CAEMA, podia o Estado optar por pagar 60% inicialmente já
que os 40% restantes ganharam carência parcial, nos exatos termos do art. 13 e
seus parágrafos da lei em comento.
O Banco do Brasil equivocadamente
considerou toda a dívida inadimplente, aumentando artificialmente o seu valor. Basta questionar e demonstrar os dados como estávamos
fazendo, a despeito da má vontade da Secretaria do Tesouro Nacional, com a qual
travamos duro diálogo, para requerer o ressarcimento ao Tesouro Estadual dos
valores cobrados indevidamente.
Refinanciá-las, agora, como está
fazendo equivocadamente o Governo, por se tratar de dívida parcialmente
inexistente, é tornar quase impossível o seu questionamento futuro. A
propósito, tais dívidas estão sendo refinanciadas pela Merrill Linch,
exatamente a mesma casa bancária que recebeu a confissão de inúmeras dívidas
externas do primeiro governo da Roseana. Coincidência, não?
Uma análise sumária da dívida do
Estado, a partir do Relatório de Gestão Fiscal enviado à Secretaria do Tesouro
Nacional por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, com base em 31 de
agosto de 2013, revela que o Governo está omitindo a dívida com a Previdência
do Estado. E mais: se o Estado tem uma
Receita Corrente Líquida (RCL) de R$ 9.135 bilhões; gastos de pessoal de R$
3.914 bilhões; uma dívida consolidada líquida de R$ 4.501 bilhões; se o limite
de comprometimento com o pagamento das dívidas gira entre 13% da RCL, portanto
da ordem de R$ 1,2 bilhões, vale perguntar: em quais projetos foram gastos os
R$ 4,0 bilhões, pois esse é o valor disponível depois de deduzidas as despesas
com pessoal somados aos gastos com o pagamento da dívida, conforme os números oficiais acima. Interessante,
não? No sistema penitenciário do Estado com certeza não foi.
Quando se pensou no
governo Jackson em encaminhar carta consulta ao Banco Mundial para um
financiamento de U$ 300 milhões a destinação era para os estudos da montagem da
infraestrutura necessária de transporte de massa e de carga, energia, água e
lixo industrial da Grande São Luís (Bacabeira, Rosário, Santa Rita, etc), em
vista da possibilidade de implantação da Refinaria Premium, da Siderúrgica do
Mearim e de um novo Porto de recepção de insumos e escoamento da produção. Quer
dizer, projetos estruturantes e de grandes impactos econômicos, sociais e
ambientais.
O Governo da Roseana pagou R$
1,2 bilhão em 2012 e R$ 2,2 bilhões em 2013 de amortizações e encargos da
dívida fundada ou consolidada como é chamada, celebrando, para tanto, novo
mútuo de R$ 1.800 milhões. Dívida para pagar dívida. É muito dinheiro subtraído das prementes necessidades
da população. Que
necessidade tem agora o Governo de endividar ainda mais o povo maranhense
contraindo novos financiamentos de bilhões de reais junto ao BNDES, sem
qualquer projeto estruturante que empurre a economia do Estado pra diante?
Asfalto em áreas urbanas de cunho puramente eleitoreiro como é o propósito
anunciado pode justificar tamanha irresponsabilidade com a coisa pública?
Além de tudo isso, deve-se atentar para a existência
do passivo financeiro de bilhões de reais por dívidas ajuizadas contra o
Tesouro Estadual, algumas delas com trânsito em julgado e prestes a
constituírem-se em precatórios, e que são remanescentes predominantemente da
CAEMA e da extinta CODERMA, tendo como credores a Mendes Junior, a Andrade
Gutierrez, a Constran e outros. Pobre Maranhão!
Lições a se tirar de tudo isso: as
oligarquias que se apossaram do Maranhão descomprometeram-se com a integridade
do tesouro estadual, das finanças e recursos públicos, fato que tem levado o
Estado a renunciar a receitas volumosas que poderiam mitigar os déficits
sociais gritantes, presentes em todos os seus rincões; faltou à máquina
governamental competência técnica específica para planejar e gerir suas
finanças, dificultando plenamente a tomada de decisões acertadas; continuou-se
sendo vitimas do imediatismo político, o que levou o planejamento do
desenvolvimento local a uma preocupante falta de foco nos problemas e
necessidades do desenvolvimento sustentável.
O assunto da dívida pública continua
mantido a sete chaves. Não entra em pauta por varias razões, principalmente
pelo fato de que, se entrasse, levaria fatalmente ao desnudamento do poderoso
jogo de interesses econômicos subjacentes e à revelação da incompetência dos
grupos políticos dominantes na matéria, que omitem os problemas por total
incapacidade e vontade de enfrentá-los, optando sempre pelos caminhos do
marketing, a melhor estratégia para o continuísmo e para esconder a verdade.
Há uma ameaça cada vez maior de
explosão em decorrência da irresponsabilidade pública dos governantes que
continuam desencadeando novos processos de endividamento e refinanciamento da
dívida fundada maranhense, ampliando o volume de passivos financeiros falsos e
indevidos, que já foram pagos em decorrência da incapacidade técnica e da
omissão política das oligarquias.
Os recursos abundantes que sobram
para o pagamento da dívida são os responsáveis pelos recursos minguantes que
faltam para o financiamento dos serviços públicos de consumo coletivo, como
saúde, educação, mobilidade urbana e segurança. Aí estão as causas da
precarização dos serviços de saúde, dos últimos lugares em analfabetismo, do
caos no trânsito e das barbaridades em Pedrinhas.
A principal lição aprendida em
decorrência do longo período de domínio das oligarquias tradicionais no Maranhão,
que agora se encontram sem projetos e sem credibilidade, é que, entre tantos
outros erros e equívocos estruturais cometidos na condução dos negócios
públicos, também não souberam preservar, desenvolver e proteger o Tesouro
Estadual, sendo esta uma das principais razões da negação dos direitos humanos
no Maranhão e das aviltantes desigualdades sociais que marcam a realidade
maranhense no presente.
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