Existe indignação contra o céu
Por Jhonatan Almada
Maria Celina D’Araujo, professora da Fundação Getúlio Vargas, ensinou para uma perplexa platéia de alunos e alunas, que o significado da cúpula do Senado no prédio do Congresso Nacional, voltada para baixo, expressava a idéia da nação fechada sobre si mesma, onde cada Estado da federação era igual ao outro, independentemente do peso econômico ou populacional no conjunto do país. Avançando na explicação, aclarou que a cidadania nasce junto com a emergência do Estado moderno, numa relação imbricada entre nação e Estado, Estado-nação, sentimento de pertencimento de um indivíduo à nação e acesso as garantias propiciadas pelo Estado.
Extrai as linhas supracitadas das anotações de aula que fiz, ao relê-las fico perplexo com o último (e segundo) discurso do senador José Sarney, presidente do Senado, em defesa do indefensável e justificação do injustificável, mais perplexo (nem tanto) ainda fiquei com a postura do senador Paulo Duque, presidente do Conselho de Ética do Senado, e choldra, ao arquivar por “inconsistência” as acusações contra àquele.
Um dos temas essenciais inerentes ao debate sobre a cidadania é o binômio – inclusão e exclusão, pressuposto comum as mais diferentes tendências teóricas.
Como nos sentir identificados com aqueles senadores? Como imaginar que aquela é nossa “nação fechada sobre si mesmo”?
A meu ver, tanto os discursos quanto as atitudes dos senadores nas últimas semanas, em defesa do senador Sarney são provas inequívocas que aquele sentimento de pertença foi dissolvido, mais ainda, a própria legitimidade do Senado Federal em representar a nação, pois se não estamos incluídos em nossa vontade de cidadão, traduzida e exacerbada numa onda coletiva nacional em prol da renúncia ou cassação daquele senhor, não há que falarmos em representatividade e legitimidade, essa está rompida, frustrada.
De uma hora para outra, os culpados viram acusadores, e os acusadores viram culpados, mas como disseram os alentados analistas, isso é só um ensaio para 2010 e o objetivo dessas acusações é desestabilizar o governo e a aliança com o PMDB. Ah! Mas ninguém se lembrou de perguntar o que nós cidadãos achamos dessa desexplicação semioficial. A questão não é eleitoral ou governamental, é ética, esgarçou-se a confiança nos líderes institucionais do Senado e no governo em influir positivamente para a solução do conflito.
A Revista Carta Capital traz alentada matéria sobre os árabes, da revista The Economist, onde os títulos sobre “O amanhecer no Oriente” se sucedem: “O mundo dos árabes: o que eles tem em comum?”, “Impondo a liberdade: bem, não funcionou”, “Como se manter no comando: não apenas coerção, democracia de mentira também”, “A agitação sob a superfície: uma revolução social silenciosa” e “Para onde eles irão? Uma grande luta por idéias está acontecendo no Oriente Médio”. Muitos desses temas poderiam servir para nossa realidade, bastaria mudar de “os árabes” para “os brasileiros” e “Oriente Médio” para “Brasil”.
O argumento central da aludida matéria chama atenção para o fato inexorável de que o mundo mudou, as demandas são outras, as expectativas são outras, e os governos e governantes árabes não estão sabendo lidar com elas, há décadas em descompasso com as mesmas, utilizaram ou utilizam mecanismos cosméticos de participação política, sem real compartilhamento do poder, ao lado da mais pura repressão em todas as suas formas: física, financeira, espiritual ou virtual.
A internet, essa ferramenta que desperta o ódio dos coronéis incontidos e pretéritos da política brasileira, atua de forma avassaladora na exacerbação das reivindicações populares, na mobilização e articulação social, sobretudo na democratização da informação e do conhecimento.
Por outro lado, vemos a televisão perder espaço. A cobertura do segundo discurso do senador Sarney foi lamentável. Os repórteres e jornalistas disseram – Foi um discurso forte. Alguém que assistiu ou conhece o que a figura aprontou nas últimas décadas, só agora descoberto pelo Centro-Sul (e ainda falam que os nortistas são atrasados), poderia utilizar qualquer adjetivo, menos forte, talvez: hipócrita, desavergonhado, desonroso, odioso, alienado, despudorado, vil, imoral ou simplesmente, arrogante.
A arrogância, muitas vezes subliminar e disfarçada, outras despudorada, é característica dos homens de poder, especialmente daquele homem. Lembro a frase de Chu En-Lai, primeiro-ministro da China, para Kissinger, nos idos de 1971 – “Existe tumulto abaixo do céu e temos oportunidade de acabar com isso” (Sem comentários quanto ao contexto e resultados).
Existe indignação aqui mesmo, na superfície, nós cidadãos e cidadãs temos e teremos oportunidade de saciá-la. Acredito piamente que esse Senado fechado sobre si mesmo, seus senadores, não ficará impune, eles que não pensem estar nos céus, acima de nossa cidadania, dissimulados e mascarados para as próximas eleições, na certeza da impunidade. O fim pode tardar, mas chega.
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