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POSFÁCIO – A ALTERNÂNCIA DO PODER NO MARANHÃO: temas de um projeto político pós-Sarney

Egberto Magno*


Sob a primeira Constituição republicana brasileira (1891) se formou um modus operandi no sistema político brasileiro baseado no predomínio do governo central em relação aos governos estaduais. Por sua vez, cabia aos governos dos estados referendarem o poder central em suas decisões político-administrativas. A presidência da República significava o grande prêmio da política do país e a viabilização deste ou daquele nome em seu comando dependia, fundamentalmente, dos acordos entre as lideranças políticas situacionistas, cujo regente era o presidente no exercício do cargo.
Desse modo, a cada quatro anos vivia-se intensa agitação política no Brasil, já que a eleição presidencial se dava nesse quadriênio. Feitos os acordos entre as elites políticas regionais, praticamente já estava selado o destino político da Nação, haja vista que os governos dos estados detinham força e poder para comandar as eleições, manipulando os resultados, para emoldurá-los aos planos traçados na fase pré-eleitoral. A contrapartida aos chefes políticos estaduais se dava com a legitimação de sua política, vale dizer, de sua relativa autonomia em relação às contendas entre as elites políticas em cada estado. 
Foi assim que se conformou a chamada Política dos Governadores.
O Brasil desse período é caracterizado, assim, pela força política dos latifundiários, ou seja, os chefes políticos nos estados. Essa dinâmica vai, ao longo das três primeiras décadas do século XX, conformando uma massa crítica no próprio seio das elites latifundiárias, pois se cristalizou o revezamento de presidentes originários de São Paulo e Minas Gerais, fase republicana conhecida como política do “Café com leite”.
Mas essa insatisfação, se por um lado significava o esgotamento de um modelo que colocava as elites políticas do nordeste como subalternas à dobradinha São Paulo-Minas Gerais, por outro, garantia a essas elites a confortável situação de, estando com o controle da máquina política estadual, manejar, ao seu sabor, as forças políticas locais, principalmente os coronéis, líderes políticos dos municípios e vilas do interior do nordeste brasileiro. Portanto, a Política dos Governadores funcionava com base na triangulação poder central-poder estadual-poder local, lógica assentada numa dinâmica econômica cuja natureza era essencialmente conservadora, já que o país manteve inalterado, por todos esses anos, o modelo agroexportador, com domínio de grandes terras sob o manto dos latifundiários, travando o liberalismo econômico, exigência das classes produtoras mais desenvolvidas do ponto de vista produtivo, vale dizer, principalmente, da já relativamente avançada indústria paulista.
É nesse contexto que aflora a necessidade de abertura burguesa na perspectiva de superação do modelo agroexportador, sendo, assim, uma exigência objetiva para o desenvolvimento das forças produtivas nacionais em contraposição a um país atrasado sob o prisma econômico, já que o latifúndio era o elemento fundamental do motor econômico e social naquela quadra.
Em boa monta, o Maranhão parou no tempo: as suas elites políticas não perceberam o quão importante era fazer com que o estado acompanhasse as mutações econômicas pós-30; a esperança de que isto viesse a ocorrer, com a eleição de José Sarney em 1965 se revelou uma furada: houve tão somente a substituição de oligarquias, mantendo-se a mesma dinâmica conservadora, patrimonialista, coronelista.
Sem cair no determinismo que impede que enxerguemos as demais nuances dos processos sociais, é incontornável dizer que o componente econômico dessa discussão aflora como (o) aspecto central, pois, “uma das urgências a ser enfrentada por esse projeto é a consolidação de outra economia para além dos grandes enclaves econômicos”.
Em grande sentido, o debate empreendido por Jhonatan Almada em “A alternância do poder no Maranhão: temas de um projeto político pós-Sarney” resgata essa trajetória da oligarquia em nosso estado. Refere-se ao grupo oligárquico como “vazio dele mesmo”, para constatar que “Nada mais contraditório do que dizer que esse projeto é pautado no planejamento, posto que a inexistência ou a efemeridade de planejamento mais lhes caracterize”.  Por outro lado, Almada lança luzes à compreensão do atual momento histórico, sobretudo em relação ao que surge das urnas com a eleição de Flavio Dino governador na eleição de 2014, instante no qual coloca a conformação de aliança das forças oposicionistas heterogêneas como fator determinante à vitória anti-oligárquica.
Como se pode perceber, Almada consegue transpor algo não muito comum no seio acadêmico, trazendo para o contexto da realidade o debate teórico: “As estratégias dos capitães hereditários do Maranhão continuam as mesmas: utilização de pesquisas manipuladas (...); busca constante de novos Reis Pacheco (...); apresentação de mais um de seus filhos na disputa eleitoral como algo legítimo e imposto pelo destino genético (...)”. Por isso a necessidade da renovação da “elite política” com novos quadros, não para manter as coisas como estão, mas para subvertê-las.
Não é exagero dizer que Michel Foucault compareceu ao texto, e o mais inusitado, ao lado de Victor Nunes Leal: depois de realçar o papel do Município como o elo central na constituição da cadeia de dominação oligárquica que impede o seu desenvolvimento social e econômico, Almada acentua que o poder da oligarquia tem no município o núcleo central a se articular com células de dominação (Aqui está Foucault e sua Microfísica do Poder). “Essa articulação institui uma prática de relação indireta com a população local baseada no vil metal (olha o Nunes Leal com o Coronelismo, enxada e voto)”.
Transpor as barreiras a um novo padrão relacional entre os entes federativos, particularmente entre o Estado e os Municípios, e o deslocamento do olhar governamental para o adensamento das cadeias produtivas fora do eixo dos “grandes projetos” na perspectiva de superação do modelo de dominação implica no envolvimento dos “agentes sociais” e no empoderamento de “novos atores”. Esse envolvimento não pode de circunscrever à retórica, pura e simples, dos movimentos sociais. É necessário, antes de tudo, que haja o desencadeamento de um processo de educação política da população: eis aqui importante postulado do autor.
No esforço por compreender a essência e o significado mais profundo que o Maranhão vive com a chegada das forças políticas anti-oligárquicas ao governo do estado, Jhonatan Almada critica certas visões que não percebem que vivemos, de fato, um agudizado momento de superação da política oligárquica e seu patrimonialismo, interpretações “que só veem mudanças intraoligárquicas ou mudanças com práticas oligárquicas”.  
Que semelhança há entre os brioches que a francesa rainha Maria Antonieta queria oferecer aos famintos que protestavam em frente ao palácio, o Baile oferecido pela Monarquia na Ilha Fiscal no Rio de Janeiro pouco antes da proclamação da República e as festas suntuosas na Casa de Veraneio e comidas requintadas do Palácio dos Leões? Revelam a insensibilidade de uma elite que, aferrada ao poder por tanto tempo, não consegue enxergar a realidade em sua volta: “A grande virada de um governo da mudança é cortar radicalmente o conjunto de luxos e privilégios (...)”.
Dois episódios recentes ilustram bem duas situações/perspectivas diferentes: depois de ter jurado fidelidade canina à presidenta Dilma Rousseff, o senador José Sarney foi pego votando em Aécio Neves. Dias depois, em entrevista ao jornalista e blogueiro da Uol, Fernando Rodrigues, o governador eleito, Flávio Dino, disse pretender fazer a revolução burguesa no Maranhão. O ato vingativo do ex-presidente expressa o esgarçamento do tipo de relação que permitiu que a família Sarney dominasse a seara política maranhense por tanto tempo, ou seja, o real entrosamento entre o poder central e os coronéis estaduais. A Revolução de 1930 iniciou a superação desse padrão de relação, mas isso não chegou ao Maranhão, daí o caráter republicano do momento atual. A entrevista de Flávio Dino deixa claro que ele pretende superar o modelo econômico de nosso estado através do desenvolvimento das forças produtivas. Está ai a chave para que entendamos melhor o alcance do que Almada diz em “A alternância do poder no Maranhão: temas de um projeto político pós-Sarney”, ao se reportar às benesses de que a oligarquia desfruta do poder público: “É mais fácil do que empreender o próprio negócio na selva capitalista ou passar em concurso público, pois sempre fica a esperança de empregarem os seus filhos no Estado ou elegerem-nos para algum mandato”. Até nisso Almada imerge em profundidade: a ética sobre a qual nos falava Max Weber, sobre o espírito do capitalismo.



* Bacharel em Direito e em História, foi da Coordenação do Programa de Governo de Flávio Dino e é dirigente do PCdoB/MA.


Posfácio do livro "A alternância do poder no Maranhão: temas de um projeto político pós-Sarney". Este livro pode ser adquirido nas seguintes livrarias virtuais:

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