Jhonatan Almada, historiador e quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
A
História pode ser negada, até propositalmente esquecida. É nosso dever de
ofício trazê-la à tona, relembrar e permanentemente limar os equívocos, em
especial no campo do planejamento. É fundamental levar em conta os estudos e as
experiências concretas dessa área no Maranhão, entre eles, os de Raimundo
Palhano são centrais. Sem isso, corre-se a temeridade de fazer afirmações sem
qualquer comprovação. Planejamento é processo, plano é produto, pode existir um
e outro separadamente, entretanto, planejamento e plano só existem de forma
orgânica e consequente quando referidos ao ciclo de políticas públicas, a um continuum.
A
experiência maranhense de planejamento começa na sociedade civil organizada. A
Associação Comercial do Maranhão (ACM) elabora o Plano de Fomento e Defesa da
Produção, em 1945, primeiro plano de crescimento econômico até então, e o Plano
Seta de 1948, este último encampado pelo governo estadual. A única medida
cumprida pelo governo foi criar o Departamento de Terras, Geografia e
Colonização.
É a partir da década de 1950 que o
ideário desenvolvimentista, tendo o planejamento como tarefa principal dos
governos, é incorporado pelas administrações estaduais. Ideia embalada por um
ambiente de “consenso” mundial fortemente estimulado por organismos como o Banco
Mundial e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Essa incorporação implicou a criação
do aparato burocrático-institucional correspondente, iniciado com a Comissão de
Planejamento Econômico do Maranhão (Copema) em 1958, sucedida por inúmeros grupos
e comissões de estudos; a instituição da Superintendência do Desenvolvimento do
Maranhão (Sudema) em 1966, culminando com a criação da Secretaria de Estado do
Planejamento (Seplan) e o Sistema Estadual de Planejamento em 1972. A criação
da Copema foi uma imposição da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)
e no fundo esse órgão se ocupou de elaborar projetos para financiamento. A criação
da Sudema não redundou na elaboração de planejamento público mais geral.
O Plano de Recuperação Econômica do
Estado – Plano de Desenvolvimento Econômico do Estado (1959), sob o Governo
Mattos de Carvalho (1957-1961), foi o primeiro plano estadual de desenvolvimento,
centrando seu foco nos setores de energia elétrica, transportes e agropecuária,
criando as condições estruturais para a industrialização.
O 2o Plano
Estadual de Desenvolvimento foi elaborado sob o Governo Newton Bello
(1961-1966), com apoio de consultoria da FGV. A maior parte dos recursos vinha
do orçamento federal (50%) e de empréstimos e doações do exterior (20%),
distribuídos majoritariamente no setor de transportes e energia (72%). A
educação aparece com 9% dos investimentos previstos.
O 3o Plano
Estadual de Desenvolvimento foi elaborado sob o Governo José Sarney
(1966-1971). Este plano incorporou a ideia de polos de crescimento, apontando como
uma das causas do subdesenvolvimento maranhense a falta de integração setorial
e espacial que impedia São Luís, a capital, de ser o centro polarizador da vida
estadual. Os investimentos deste plano continuaram concentrados no setor
infraestrutural (56%), com um pequeno volume para a educação.
Esse foi o Plano mais equivocado de
todos. A partir daí São Luís concentrou ainda mais os investimentos públicos esvaziando
os demais municípios, relegados às transferências constitucionais obrigatórias,
corroídas pela má gestão e corrupção. Somente nos anos 1980 e 1990 isso é
parcialmente revertido com a emergência de novos polos econômicos, como
Imperatriz, Açailândia e Balsas no sul do estado.
Em
apreciação geral, o economista Raimundo Palhano analisa que o Maranhão seguiu o
percurso do planejamento no Brasil: primeiro, os planos de desenvolvimento,
depois, a institucionalização dos órgãos de planejamento. Portanto, são
equivocadas algumas análises, que consideram ter sido no Governo José Sarney o
início do esforço sistemático de planejamento das ações estatais no Maranhão.
Eliezer Moreira, um dos integrantes desse processo de planejamento, afirma em
suas memórias ter sido esse Plano mais efeito-demonstração junto ao Governo
Federal do que algo seriamente executado.
O 4o Plano
Estadual de Desenvolvimento (1971-1974), sob o Governo Pedro Neiva de Santana
(1971-1975), foi o que apresentou maior concentração de investimentos no setor
primário em relação aos anteriores, 29% do montante total. Não registra nada de
mais relevante em relação aos anteriores.
O 5o Plano
Estadual de Desenvolvimento (1975-1978), sob o Governo Nunes Freire
(1975-1979), denominado Plano de Governo e Plano de Desenvolvimento do
Maranhão, incorporou a dicotomização entre o desenvolvimento social e o
desenvolvimento econômico. Ressalte-se que
o setor primário continuou sendo prioridade no montante total de investimentos
e que a ideia de desenvolvimento social foi incorporada enquanto opção política
de seguir a escolha dos governantes federais, não representando nada de novo.
O 6o Plano
Estadual de Desenvolvimento, sob o Governo João Castelo (1979-1982), segundo
Wilson Barros Bello Filho, outro estudioso importante, cujo trabalho embasa as
principais referências a Planos Estaduais, manteve a opção política de
sintonizar o planejamento estadual com o planejamento federal. Incorreu na
prevalência do setor primário nos investimentos e em tentativas de incorporar
as reivindicações sociais, objetivando torná-la sistemática e oficial. Quem não
se recorda da verdadeira fanfarra de seminários realizados na época com o
intento de elaborar esse planejamento.
O planejamento no Maranhão até
meados dos anos 1970 era elaboração de projetos para captar recursos, e no
período posterior, como elaboração de planos de Governo. Assim, o planejamento
tem sido uma atividade estanque, realizada de modo verticalizado, sem participação,
com ações dispersas e sem efetiva coordenação das atividades setoriais.
A partir da década de 1990 estamos
sob a égide dos PPAs. Porém, longe de simplesmente “formalizar” ou “institucionalizar”
a elaboração dos planos, esse período demarca o desprestígio do planejamento
público, ficando reduzido a instrumento de alocação de recursos públicos, isto
é, a produção do orçamento público.
Os Governos Luiz Rocha (1983-1986),
Epitácio Cafeteira (1987-1990) e Edson Lobão (1991-1994) mantiveram a prática
de apresentar planos de governo. Os dois últimos não elaboraram PPAs como
determinava a CF/88 e a Constituição Estadual de 1989. Ambos apresentaram como
principais realizações obras na capital: o projeto Reviver (Governo Cafeteira)
e a Avenida Litorânea (Governo Lobão). O planejamento deu lugar à gestão. A
agenda casuística dos governadores substituiu o planejamento público.
Os dois primeiros PPAs registrados
nos arquivos digitais da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão são os
correspondentes aos dois mandatos de Roseana Sarney (1995-2002). O primeiro
previu como macro-objetivos: a dinamização e modernização do aparelho
produtivo; a conservação da natureza e proteção do meio ambiente; a redução das
desigualdades espaciais e sociais de renda e riqueza; e a modernização e
eficientização do Estado em favor do cidadão. O segundo praticamente não
alterou o conteúdo destes. Concretamente, os resultados desse planejamento
foram no sentido diametralmente oposto ao dos enunciados, contribuindo para
colocar o Estado nos piores patamares econômicos e sociais, verdadeiro
estelionato eleitoral.
O PPA seguinte foi o do Governo José
Reinaldo Carneiro Tavares (2003-2006); sua única inovação foi a meta de elevar
o IDH de 0,657 para 0,7 no período de vigência do plano. Este governador rompeu
com a oligarquia Sarney em 2004 e auxiliou a oposição nas eleições de 2006, o
que contribuiu para a eleição de Jackson Lago.
No Governo Jackson Lago (2007-2009)
foi elaborado um PPA que buscou fazer ampla recuperação e análise das
experiências anteriores de planejamento e desenvolvimento, bem como reabrir o
debate sobre esta temática. Foram realizadas 32 oficinas regionais de
planejamento com a participação de mais de 3.000 pessoas em todo o Maranhão.
Estabeleceram-se 12 objetivos estratégicos para o período de sua vigência, tais
como: a descentralização da gestão pública, a redução do analfabetismo, o
aumento da capacitação e qualificação profissional, entre outros.
Tal
PPA foi um contraponto tanto aos PPAs do Governo Roseana Sarney quanto ao de
José Reinaldo. O cerne desse planejamento era a descentralização da gestão
pública acompanhada da regionalização do desenvolvimento, ou seja, tornar o
aparelho estatal mais próximo dos municípios, democratizar o poder decisório
sobre o orçamento estadual e implementar vigoroso processo de financiamento aos
arranjos produtivos locais. Caminho seguido por inúmeros Estados, a exemplo de
Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco, dentre outros.
Porém,
com a retomada da oligarquia em 2009, o governo de Roseana Sarney (2009-2010/2011-2014)
promoveu uma profunda revisão que desfigurou completamente o originalmente
planejado, retomando o pacote neoliberal e gerencialista que implementou
durante seus dois primeiros mandatos e abandonando por completo a perspectiva
da descentralização e regionalização para o desenvolvimento.
Enquanto o planejamento público brasileiro possui
considerável literatura analítica, o planejamento público maranhense possui
poucos estudos relevantes. Observa-se uma enorme tendência ao esquecimento de
toda essa experiência anterior ou o que é pior, pinçar uma ou outra como
exemplar, sem o ser. O Maranhão continua sendo a terra da história negada. O
ano 2015 abre nova perspectiva quanto ao nosso planejamento: governo novo,
novas práticas, outro futuro.
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