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VONTADE DE DESENVOLVIMENTO



Jhonatan Almada, historiador, escreve as sextas-feiras no Jornal Pequeno

A tremenda crise ética que vem corroendo ao longo dos anos a imagem das instituições republicanas do Brasil e alimenta negativamente o imaginário do povo em relação à política e aos políticos exige mudança radical na postura daqueles e daquelas que exercem cargo público. Primeiro, há que se ter consciência do caráter provisório e circunstancial do estar colaborando em um governo. Segundo, há que se defender e trabalhar pelo interesse público em todas as ações, sobretudo e prioritariamente na materialização do programa de governo. Terceiro, há que se auxiliar o governante na tomada de decisões sem medo do divergir fraterno, respeitando sempre a coesão programática. Quarto, a exemplaridade na condução da coisa pública é exigência inegociável para formar uma nova cultura política.

Esses elementos são primordiais, mas insuficientes para enfrentar a crise ética. O fundamental é sinalizar outros caminhos e apresentar alternativas. O desafio de recuperar a confiança do povo nos governantes e no governo passa pela formulação de um projeto de futuro, projeto planejado e coletivamente construído, fecundo de hojes e amanhãs. Tarefa que também enfrenta o descrédito em relação ao passado recente, sobretudo pela ausência de prestação de contas do anteriormente planejado e pactuado. O espírito da verdade está no feedback, diria o professor Tetsuo Tsuji. A verdade nasce desses encontros.

Recentemente no Maranhão, o ministro Mangabeira Unger, reconhecido intelectual e professor da Harvard University, defendeu a ideia de um choque de ciência e tecnologia no Nordeste elevando o desenvolvimento regional a projeto de Estado. O mais relevante dessa ideia é o chamamento à necessidade de um projeto nacional. Até o presente momento, as forças políticas e as elites brasileiras não conseguiram ultrapassar o infantilismo contido na negação daquilo que está posto. Não há sinalização desse projeto nacional, existem iniciativas acumuladas ou dispersas, mas nada relativo ao que somos e ao que queremos ser.

Um projeto nacional não é um amontoado de ações, mas, sobretudo a proposição de sentido. Penso que dois eixos articuladores desse projeto passam pelo trabalho e pela ciência. Realizar a migração da oferta intensiva de políticas sociais de transferência de renda para a oferta intensiva de políticas sociais de geração de renda é estratégico. O trabalho enquanto construção de si, com o outro para transformar o mundo, não tem feito parte do discurso das políticas sociais. Investir em ciência robustecendo a qualidade da formação dos brasileiros, a atração e a criação de empresas de tecnologia, as energias limpas e renováveis, a pesquisa aplicada na potencialização das cadeias e arranjos produtivos locais e o fomento a economia do conhecimento.  A conformação a uma vocação agrária não pode ser passivamente aceita como destino-manifesto e internalizada no imaginário do país. 

Existe uma vontade de desenvolvimento difusa nas manifestações e mobilizações de esquerda e de direita, ainda não traduzida. De um lado, exaltam cegamente os ganhos em termos de inclusão social sem reconhecer os problemas advindos da corrupção, do assistencialismo e da ineficiência dos serviços públicos. De outro, atacam insanamente a corrupção sem reconhecer os ganhos em termos de inclusão social e os problemas advindos do sistema político e da complexidade de mudanças profundas em ambientes democráticos. Ó glória de mandar, ó vã cobiça, diria Camões. Não podemos perseverar na encruzilhada, sair dela demanda um projeto nacional que será fruto de inteligência e coletividade, maturidade e juventude, tempo e circunstância. 

Embalados pela esperança, andamos sem destino pelo jardim dos mil caminhos. A andança leva a qualquer lugar e a nenhum lugar. A pactuação política desse caminho exige generosidade e compromisso de nossas lideranças que ora se engalfinham na disputa por quem manda mais, sem que esse mandar sirva ao povo ou a um projeto por ele aprovado. Entendo que a qualidade da liderança política depõe a favor ou contra o futuro do Brasil. Nesse sentido, nos próximos anos, emergirão novos quadros sintonizados com as demandas pretéritas e atuais, com capacidades e práticas para costurar um projeto nacional. Não tenho dúvidas quanto a isso. O parto da(s) alternativa(s) ocorrerá nas dores dessa crise ética e da rediviva crise econômica. Desgastante, lento, mas progressivo e inexorável como a esperança.

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