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AS VEIAS ABERTAS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

Jhonatan Almada, historiador, escreve as sextas-feiras no Jornal Pequeno

Não se resolve os problemas de gestão irresponsável dos recursos públicos sacando dinheiro do bolso dos servidores ou gerando incertezas quanto ao direito de aposentadoria. Lição fundamental não aprendida por muitos governantes de ontem e de hoje. O que acontece no Paraná é reflexo de uma mal explicada migração de beneficiários entre os fundos de previdência dos servidores. Os cálculos que fundamentaram o projeto de lei do Governo do Estado do Paraná não levaram em conta todos os elementos técnicos necessários exigidos pela regulamentação previdenciária nacional e não foram respaldados pelo órgão federal que atua de forma concorrente nesse assunto. A pressa em gerar uma economia de R$ 142,5 milhões sem saber se isso lesaria os servidores teve como reação adversa a revolta em massa, liderada pelos professores estaduais.

A questão de fundo é o uso da violência pelo Estado para impor a ordem. As elites políticas não respeitam as mobilizações e reivindicações quando feitas nas ruas. Nossa tradição são os acordos de cúpula à revelia das maiorias. As manifestações dos professores paranaenses de 29 de abril e as manifestações elitistas e de direita de 12 de abril receberam tratamento diferenciado pelas polícias e pelas mídias. A primeira por colocar o dedo na ferida ao expor a desvalorização financeira e social a que os professores da rede pública oficial vivenciam no país. A segunda por atender aos interesses políticos conjunturais que desejam derrubar o governo, inconformados com os resultados das urnas e incapazes de conviver na democracia. Aos primeiros, balas e cães. Aos segundos, selfies e barreiras protetoras.

É antiga a discussão sobre desmilitarização e unificação das polícias. A força das corporações é tão grande que esse assunto nunca avançou. Continuamos com polícias formadas como braço auxiliar do Exército, especializadas na repressão ao povo e incapazes de conter a violência criminosa. A simbologia das caveiras, facas, águias e cobras não são mero mau gosto. Não há caminho fácil aqui. Os policiais são servidores públicos, portanto, devem obedecer ao código de ética do serviço público. Jamais deveriam cumprir ordens expressas de repressão. No mesmo sentido, nenhum governante na democracia deveria ordenar repressão policial a livre manifestação da opinião e do pensamento. Isso coloca em cheque a legitimidade do Estado Democrático de Direito e expõe seu caráter elitista e antipopular. Repressão só a criminosos, manifestantes devem ser protegidos dos excessos, nunca atacados.
Atacar os professores que defendem seu direito a uma aposentadoria digna e expressam seu direito de divergir da orientação do Governo do Estado é um retrocesso claro e vergonhoso em relação aos 30 anos de democracia no Brasil. As pancadas e mordidas nos professores paranaenses informam o quanto as elites não tem apreço pela educação básica pública, o quanto falhamos no ensino da história da ditadura militar de 1964 e o quanto nós professores somos desunidos, mesmo com as veias abertas. Isso nada tem a ver com a crítica simplista ao slogan de pátria educadora do governo federal, o qual aponta o caminho de futuro, não a resolução de passivo histórico.

Eduardo Galeano (1940-2015) escreveu que em 2009 o Governo Federal pediu desculpas públicas a Paulo Freire por tê-lo prendido e exilado pelo seu trabalho em prol da alfabetização de jovens e adultos nas décadas de ditadura militar. Gesto que ficou sem agradecimento, pois Paulo Freire estava morto há doze anos. Ele andou o mundo e quanto mais ensinava, mais aprendia. Diante disso, mesmo após todo o reconhecimento internacional do seu trabalho, o Estado lhe pediu desculpas tardiamente. Ainda assim alguém banhado na ignorância do não saber levanta um cartaz com “basta de Paulo Freire”. Prende-se primeiro, humilha-se primeiro, atenta-se levianamente contra a honra de outrem, essa é a nossa tradição histórica em relação aos professores e educadores.

Não será com sangue, paus e pedras que iremos resolver os problemas recorrentes ou pendentes, entre eles, a centralidade da educação pública de qualidade e da valorização financeira e social dos professores. No Maranhão, estamos construindo outro caminho em relação à educação pública. Diálogo e serenidade sempre, repressão jamais.

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