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A FESTA DO BODE



Jhonatan Almada, historiador, escreve as sextas-feiras no Jornal Pequeno


Um consultor japonês fazendo visitas técnicas pelo Maranhão elaborou um relatório com suas impressões sobre o quadro local, entre os achados, identificou que possuímos muitos esqueletos abandonados em todo nosso território. Os esqueletos eram as obras iniciadas e nunca concluídas. Poderíamos acrescentar àquele relatório, a soberba dos políticos envolvidos em corrupção. Por mais inacreditável que possa parecer sobrepõem-se às acusações e processos, apresentando-se ao público como se nada tivesse ocorrido. Sustentam novas candidaturas, pleiteiam cargos e articulam grupos para as eleições ante a indiferença coletiva e a incredulidade dos adversários. 

Não é de hoje que a qualidade da liderança política no Brasil anda ausente. Há uma crise de liderança, cujo vácuo foi ocupado pelos que já estavam. Andrajosos que se apropriaram dos espaços para usufruto próprio. Raymundo Faoro com grande capacidade analítica previu no início dos anos 1990 que o país seria governado por uma espécie de Estado Novo do PMDB. Faoro estava certo, nos últimos 25 anos, os quadros conservadores oriundos desse partido, direcionam o Poder Legislativo, capturam o Poder Judiciário e manobram o Poder Executivo. As demais forças políticas na miríade de partidos existentes nunca conseguiram formar nova maioria ou ameaçar de longe esse domínio patrimonialista e antirrepublicano.

A desfaçatez não tem limites, sobretudo quando a soberba vem das barrigas de fim do mundo, expressão do deputado Domingos Dutra que bem caracteriza a oligarquia, cúpida por cargos, dinheiro e poder. Cupidez gera insaciedade e desperdício. Enquanto não fizermos obras de qualidade com os recursos públicos muitos serão os esqueletos espalhados ou sequer erguidos, figurando como promessa desfraldada. Um exemplo típico. Um convênio assinado no Governo Jackson Lago, com recursos federais depositados em conta, permaneceu de 2008 a 2014 sem aplicação, seis anos rendendo no banco, durante os Governos de Roseana Sarney. O objetivo era construir Centros de Capacitação Tecnológica em Balsas, Porto Franco e Rosário. Inacreditavelmente em seis anos não fizeram os centros e os recursos foram devolvidos ao Governo Federal.

Não podemos compactuar com as práticas que condenamos. O uso do Estado como instrumento de enriquecimento ilícito com manutenção de contratos onerosos e suspeitos, realização de pagamentos sem base contratual, ocupação dos cargos por parentelas ou folhas de pessoal com funcionários fantasmas não rompe com o passado. Erro de boa-fé é compreensível. Erro de repetição é inaceitável. A mudança implica na fundamental auditagem daquilo que foi e no abandono por completo dessas práticas. O passado foi há tão pouco tempo, ainda reflete na tomada de decisões estratégicas ou emperra as mesmas.

A época dos arquipélagos de poder precisa ser superada. A nova maioria governante tem como dever fundamental republicanizar a coisa pública, cumprir a lei e resolver os problemas recorrentes das pessoas, melhorando de fato suas condições de vida, elevando-as da subsistência para a existência. Desafio de alto nível que não comporta projetos pessoais, mas perseverança no cumprimento do programa de governo, mais coletividade, menos individualismo.

Tomando por referência “A festa do bode”, de Vargas Llosa, encontraremos o ditador Trujillo da República Dominicana e pessoalmente preocupado com o vazamento de esgoto na Base Aérea do país. Por outro lado, as bocas dos tubarões encontravam seus adversários, opositores e desafetos sem que isso representasse qualquer crise de consciência. Na mesma linha, ele e a família serem proprietários das principais empresas do país não colocavam dúvidas na sua defesa da economia liberal. Aquele que não tolerava desvios e afirmava nunca ter enriquecido com o dinheiro público, patrocinava abertamente a apropriação privada do Estado e o uso da violência como modelo de estão. 

É inacreditável como até mesmo aqueles e aquelas que não têm envolvimento com o passivo histórico no Maranhão repetem o discurso dos envolvidos. Devemos esquecer os esqueletos, engolir a soberba. Começar tudo como novo. Folhear os processos, tapar o nariz e olhar para outro lado. Retirar o estado do extravio demanda acerto de contas com esse passivo. A festa do bode acabou.

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