Pular para o conteúdo principal

PREFÁCIO AO SARNEYSISMO








Jhonatan Almada, historiador


Neste texto expressaremos o que seriam as linhas características do modo peculiar de exercício do poder do grupo liderado por José Sarney. Esse modo peculiar consensualmente passou a ser denominado sarneysismo, máquina de controle e manutenção do poder que moeu vidas de maranhenses e enriqueceu a família e os associados.

Não há aqui a obrigação de tudo caracterizar, mas apenas explicitar os elementos que consideramos marcantes na forma como esse poder foi exercido. Primeiro é fundamental dizer que as oligarquias sempre controlaram o poder no Maranhão, seus líderes tiveram muitos nomes. Sendo assim, o Sarneyzismo não é só o continuador do vitorinismo (de Vitorino Freire líder político que o precedeu), com os aperfeiçoamentos de estilo, também é o depositário de tradição política entranhada na formação social maranhense.

Os aperfeiçoamentos de estilo passam pela modernização conservadora imposta pela Ditadura de 1964 e incorporada à forma peculiar de exercício do poder que mencionamos. Isso significou: a retórica das grandes obras, sem a preocupação que internalizassem desenvolvimento com inclusão e equidade; a vendagem de reformas administrativas sem tocar ou alterar a cultura do serviço público; a tecnologia como fetiche e apoio da retórica de modernização, tornada como algo mágico e capaz de pelo simples toque transformar a realidade; a mídia eletrônica como sustentáculo e validador permanente da aludida modernização; as políticas públicas traduzidas na construção de prédios sem conteúdo e na ausência de direção ou manutenção que deem consistência para o investimento público ali aplicado. 

Se o genrismo prevaleceu na prática oligárquica do Maranhão durante o século XIX e início do século XX, com o Sarneysismo a sucessão dinástica direta e dentro dos quadros da família dominante prevalece como a forma de manter o poder e controlar sua distribuição. Vejam-se os deputados de oposição na atual legislatura da Assembleia Estadual, todos são filhos, netos e parentes. A sucessão dinástica foi implementada com Roseana Sarney, tentando-se a extrapolação para a esfera nacional, sem sucesso.

O culto à personalidade foi praticado por todos os oligarcas, a principal diferença em relação ao Sarneysismo se dá pela intensidade. Abundam ruas, avenidas, escolas, monumentos, hospitais, bibliotecas, auditórios, mercados com esse nome ou sobrenome. O mais curioso é argumentarem que esse culto vem do comunismo, ora, a pedido de Fidel Castro, Cuba aprovou lei proibindo que atribuam seu nome a qualquer coisa no país depois de seu falecimento, seja prédio ou monumento. 

A tentativa permanente de destruir os adversários se soma aos elementos supracitados. Isso se dá pelo auxílio da mídia eletrônica, bem como, das instâncias formais de restrição ou poda do poder, como a Justiça, o Tribunal de Contas, o Ministério Público e a Polícia. Instâncias que no Maranhão ainda guardam fortes vínculos e interesses orgânicos com o antigo regime, cumprindo ordens por intermédio de seus atores, ainda que eventualmente.

A mediação entre governos locais e governo federal sempre foi característica de todas as oligarquias antecedentes, entretanto, o antigo regime do Maranhão alcançou o perfeccionismo nessa prática. Alojaram-se em instâncias centrais e decisivas como o Senado Federal, o Tribunal de Contas da União, a Justiça Federal e órgãos do setor elétrico nacional.  Essa mediação perfeita enfrentou os primeiros abalos e desgastes significativos pela ação proativa do atual Governo do Maranhão nestes últimos dois anos.

O império econômico que respalda as iniciativas políticas foi constituído como anteparo e porto seguro dos reveses do poder. Os empreendimentos vão da mídia à construção civil, alinhavando esses interesses à concessão de incentivos fiscais quando estavam no governo. A política e a economia se retroalimentam no antigo regime sempre beneficiando familiares e o círculo próximo, garantindo assim que a acumulação de capital fique cingida às mesmas classes sociais.

Toda uma casta de intelectuais foi aboiada para cevar o sarneysismo em instâncias consagradas da cultura como a Academia de Letras. Esses intelectuais estão assegurados por aposentadorias generosas ou sociedade no império econômico para que possam realizar a defesa do antigo regime sem constrangimentos ou hesitações.

Esses são elementos introdutórios de esforço analítico que realizarei para desmistificar e deslindar o sarneysismo em suas dimensões política, econômica, social e intelectual, registrando em forma e conteúdo seus impactos na história do Maranhão, especialmente a aguda desigualdade e iniquidade aqui instaladas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,

Tetsuo Tsuji - um sumurai em terras do Maranhão

Esta semana faleceu meu querido amigo Tetsuo Tsuji (1941-2023), um sumurai em terras maranhotas. Nascido em 13 de julho de 1941 em São Paulo construiu sua carreira lá e no Maranhão. Neste espaço presto minha sincera homenagem. Formado em Administração Pública e Direito pela USP, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-FGV e doutor em Administração pela USP. Tetsuo trabalhou na Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo e foi professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Largou tudo e veio para Maranhão ser empresário na área de agricultura e pesca, formou família. A vida acadêmica volta na Universidade Federal do Maranhão-UFMA onde se tornou professor e reconstruiu carreira. No Maranhão foi pioneiro nos estudos de futuro e planejamento estratégico, contribuindo para o processo de planejamento do desenvolvimento no âmbito do Governo do Estado. É aqui que nos conhecemos, na experiência do Governo Jackson Lago (2007-2009). Tinha uns 2

A escola honesta

a) O que falta na escola pública? 69% não tem bibliotecas 91% não tem laboratório de ciências 70% não tem laboratório de informática 77% não tem sala de leitura 65% não tem quadra de esportes 75% não tem sala de atendimento especial São dados do Censo Escolar de 2022 e que acompanho há mais de 10 anos, afirmo com segurança, pouco ou quase nada mudou. b) E as propostas de solução? - formação continuada - flexibilidade curricular - gestão por resultados - avaliações de aprendizagem - plataformas a distância - internet Darcy Ribeiro finaliza um dos seus livros mais emblemáticos dizendo que nossa tarefa nacional é criar escola honesta para o povo. Quando?