Pular para o conteúdo principal

PERSONAGENS DE SÃO LUÍS



Jhonatan Almada, historiador



Completo 15 anos vivendo em São Luís, cidade que adotei e estabeleci bases afetivas e profissionais. A cidade ao longo desses anos tem experimentado as tristezas e alegrias do crescimento urbano, da verticalização e do desnorteamento de um plano diretor. A Prefeitura de São Luís e o Governo do Estado tem feito grande esforço em tempos de recursos públicos escassos para revitalizar os espaços públicos, criar espaços de convivência e entretenimento atrativos à sociedade local, ao mesmo tempo, emuladores do turismo. As pessoas dão vida a cidade, elas são sua maior riqueza a preencher os espaços urbanos com suas existências e buscas por ser.

O déficit de serviços públicos na cidade ainda é grande. A desigualdade social também é uma desigualdade urbana na distribuição dos equipamentos e serviços comuns de todos, onde o sentido de público e o de ser cidadão são tênues. Apesar disso, os movimentos populares por moradia e melhorias indicam que as lutas por uma São Luís mais democrática e includente estão vivas. 

Há que se reconhecer os ganhos que as novas praças e espaços trazem para o querer bem nossa cidade. Por outro lado, também reconhecer que precisamos aumentar nosso exercício cidadão para preservar esses ganhos e não deixar depredar o patrimônio público recuperado. É inadmissível que o investimento realizado para estimular a convivência social se veja inócuo ante à brutalidade da destruição desse patrimônio. A praça deve ser nossa não só no sentido de ocupar, mas sobretudo de cuidar.

Espaços revitalizados dão mais brilho às pessoas e personagens que povoam São Luís ao longo do tempo, obtendo ou não o reconhecimento social de sua importância para criar a singularidade de nossa cidade.

O Pirata da Litorânea é um grito de irreverência ante a arrogância dos que se pensam destinatários dos espaços públicos e capazes de impor a exclusão do outro. O arbítrio retirou seu fusca colorido, casa com vista para o mar e o obrigou ao relento de uma barraca, quando não, se cobrir de vento e nuvens para dormir. Muitos julgam que o direito de morar na praia é para os poucos das casas e apartamentos ao longo da Litorânea ou para os turistas ocasionais. Não é. Dançando magicamente o reggae do Bar do Nelson, o Pirata solitário grita sua resistência e seu não pela beleza dos passos cadenciados e maneiros.

Enquanto alguns pintam suas cidades de cinza em oposição aos que a querem colorida, Emílio Ayoub escreve nas paredes seu coração, mensagens de amor, esperança e otimismo para nos alegrar ou fazer refletir. Se escrevesse nos jornais ou em livros não poderia alcançar o universo, os muros são o suporte de sua arte e a projetam para os olhos atentos ou distraídos que ali se põem a ler. Ninguém escreve para si, no outro buscamos o diálogo que nos faz gente e nos dá o pertencimento de humanidade.

Nas manhãs ou tardes de calor nada melhor que um sorvete gelado em raspas e na casquinha. Quando a vontade encontra o vendedor, somente aqui se ouve o Quantos na reiterada pergunta para nos fazer pedir mais um. O Quantos andarilha pela Universidade Federal do Maranhão ou no Centro Histórico oferecendo esse gelado refrescante sempre antecedido dessa pergunta fundamental. Os trabalhadores que andejam com seus produtos nas mãos, ombros ou cabeça merecem nosso respeito não por serem empreendedores, mas por terem encontrado veredas na densa floresta da indiferença capitalista.

Em São Luís não temos hot-dog, cachorro-quente é a pedida para saciar a fome do final do expediente de trabalho ou das aulas. A sociabilidade de uma mesa de comida com preços acessíveis que nos aproxima, cria ou reafirma os laços de amizade conquistou gerações de ludovicenses para o Cachorro-quente do Sousa. O Sousa conquistou também aquele espaço no país em que patrimônio histórico se decompõe e está eternamente cercado de tapumes, mas proíbe-se a ofertas de serviços às pessoas. Aqueles que transformam o servir em arte do conviver, como o Sousa, são vitoriosos pontos de referência que humanizam os lugares e produzem lembranças de bem querer.

A cidade de São Luís me acolheu há mais de uma década e pelos seus personagens presto essa homenagem por entender que sua riqueza reside nas pessoas e são elas que a tornam singular. Certamente outros personagens existem e existirão, pois enquanto continuarmos acreditando que vida plena se constrói com o outro haverá cidade.


Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,

Tetsuo Tsuji - um sumurai em terras do Maranhão

Esta semana faleceu meu querido amigo Tetsuo Tsuji (1941-2023), um sumurai em terras maranhotas. Nascido em 13 de julho de 1941 em São Paulo construiu sua carreira lá e no Maranhão. Neste espaço presto minha sincera homenagem. Formado em Administração Pública e Direito pela USP, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-FGV e doutor em Administração pela USP. Tetsuo trabalhou na Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo e foi professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Largou tudo e veio para Maranhão ser empresário na área de agricultura e pesca, formou família. A vida acadêmica volta na Universidade Federal do Maranhão-UFMA onde se tornou professor e reconstruiu carreira. No Maranhão foi pioneiro nos estudos de futuro e planejamento estratégico, contribuindo para o processo de planejamento do desenvolvimento no âmbito do Governo do Estado. É aqui que nos conhecemos, na experiência do Governo Jackson Lago (2007-2009). Tinha uns 2

A escola honesta

a) O que falta na escola pública? 69% não tem bibliotecas 91% não tem laboratório de ciências 70% não tem laboratório de informática 77% não tem sala de leitura 65% não tem quadra de esportes 75% não tem sala de atendimento especial São dados do Censo Escolar de 2022 e que acompanho há mais de 10 anos, afirmo com segurança, pouco ou quase nada mudou. b) E as propostas de solução? - formação continuada - flexibilidade curricular - gestão por resultados - avaliações de aprendizagem - plataformas a distância - internet Darcy Ribeiro finaliza um dos seus livros mais emblemáticos dizendo que nossa tarefa nacional é criar escola honesta para o povo. Quando?