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ATÉ QUANDO CUNHA ABUSARÁ DE NÓS?



Quamquam quid loquor?
(Mas de que servem minhas palavras?)
Cícero


Não sei quem é o autor, mas uma das melhores imagens da atual situação que vivemos no Brasil foi a de um jogo da velha. Nesse jogo, Eduardo Cunha por linha torta busca vencer apesar das regras exigirem uma linha reta. Nunca vi algo tão explícito em relação a essa natureza do ser de Cunha. Se o relatório do Conselho de Ética não o agrada, protelam-se as reuniões indefinidamente. Se o relatório chega a ser votado, destitua-se o relator. Se o relator não agrada também, muda-se novamente. E assim temos um Conselho decorativo que é impedido de funcionar por homens menores com rostos desconhecidos, subservientes ao Presidente da Câmara dos Deputados.

O Congresso Nacional passa pelo seu mais baixo momento de prestígio social em todo o período da redemocratização pós-1985. Tão baixo que o Supremo Tribunal Federal precisa regularmente intervir ante as insanidades desse Congresso, sobretudo do Presidente da Câmara. Sem hesitar, Cid Gomes, então Ministro da Educação, o chamou de achacador, algumas vozes chegaram a criticar Cid pela inabilidade. Hoje, sem dúvidas todas lhe dão razão. Cunha é um achacador, corrupto e perigoso que ameaça de morte a estabilidade democrática. 

Lembro-me da peça Ricardo III (Século XVI) de William Shakespeare, também transformado em filme por Richard Loncraine (1995). Ricardo então Duque de Gloucester faz de tudo para chegar ao poder e se tornar Rei da Inglaterra, suspeita-se que matou os próprios sobrinhos, eliminou seus adversários e casou por arranjos oportunistas, como ele mesmo diz na peça “armei conjuras, tramas perigosas, por entre sonhos, acusações e ébrias profecias”. Após tudo que vimos até aqui, Cunha ergueu-se não mais como um dos homens menores que passaram pela Presidência da Câmara, mas ergueu-se como vilão odiento.

Não acredito que qualquer processo contra Cunha prospere no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Nem mesmo o Rei Luís XIV no auge do absolutismo francês exerceu tanto poder sobre um órgão que deveria ser colegiado. Não só impediu o andamento do processo, como destituiu o líder do PMDB na Câmara e se alinhou de forma mais enfática ao vice-presidente Michel Temer. Os dois homens da linha sucessória da Presidência da República manipulam, conspiram e agem abertamente para depor Dilma Rousseff. 

Dezesseis governadores do Brasil se opõem ao impeachment com forte liderança do governador do Maranhão, Flávio Dino. Entre os onze governadores que silenciaram ou se manifestaram isoladamente a favor do impeachment, destaco o Governador Geraldo Alckmin, o homem da falta de água, do fechamento de escolas e da pancadaria contra os estudantes, é o único que publicamente declara tratar-se de um processo legal.

Sou contra esse processo ilegal, antidemocrático e inconstitucional de impeachment. Estou ao lado dos dezesseis governadores democratas, da OAB, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, do PCdoB, do PDT, do PSOL, da REDE, da SBPC, da ANPAE, dos artistas, intelectuais e escritores como Leonardo Boff, Chico Buarque, Lincoln Secco, Betty Faria e Paulo Betti. Como disse um dia Darcy Ribeiro não gostaria de estar de outro lado.

Com a licença do grande orador romano Cícero, faça algumas indagações a todos nós brasileiros e a Eduardo Cunha. Até quando Cunha abusará de nós? Por quanto tempo assistiremos impassíveis essas loucuras? A que extremos tua audácia sem freio irá se precipitar? Nem a Polícia Federal, nem o Ministério Público, nem o ódio do povo, nem as manifestações de todos os homens de bem do país, nem o Congresso Nacional, nem as palavras e as questões de ordem dos parlamentares, nada disto consegue perturbar-te? Não percebes que teus planos estão à vista do país? Não vês que a tua conspiração a dominam todos que a conhecem? Quem, entre nós, ignora o que fizeste ontem e anteontem, em que local estiveste, com quem reuniste e que decisões foram as tuas? 

Ainda com Cícero questiono-te Cunha. Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te? Tu, como tentarás planejar alguma fuga?

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