Jhonatan Almada, historiador, escreve as sextas-feiras no Jornal Pequeno
A marcha do impeachment
segue firme e impávida, mesmo com a Polícia Federal operando e recolhendo
provas nas residências de inúmeros medalhões da República, entre eles, o
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Logo ao ser perguntado pela
imprensa sobre a operação da Polícia Federal (Operação Catilinárias em
referência aos discursos de Cícero contra Catilina), saiu-se com “um acho
normal” e se “estão entrando em minha casa por que não tem provas”. Diga-se de
passagem, que a revista foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Sempre de olhos saltados, Eduardo Cunha entrará para história recente da
República como o político de maior desfaçatez. Vendo e ouvindo suas declarações
a uma imprensa sempre submissa e aduladora parecia que nada de sério estava
acontecendo.
Afirmo que a marcha
segue, pois, os beneficiados com o impedimento da presidente Dilma não dão
sinal de terem mudado de ideia até o presente momento. Os beneficiados na
verdade estão cada vez mais irresolutos, independentemente das ruas à direita
ou à esquerda. Vejamos quais são as classes de pessoas que apoiam o impeachment
e respaldam Eduardo Cunha, ao mesmo tempo, indiferentes em sacrificá-lo se a
causa assim exigir.
Um primeiro grupo
importante diz respeito à banda do PMDB que rompeu com o governo e deputados de
vários outros partidos que foram financiados por Cunha, gravitando no entorno de
sua liderança. Ali encontraremos políticos dispostos a tudo para aboletar
maiores nacos do Governo Federal, tanto na Esplanada dos Ministérios, quanto
nas suas bases eleitorais. Muitos contemplados nas últimas concessões da
Presidente Dilma, mas irresolutos e insaciáveis. Escondidos no anonimato ou na
mediocridade sustentam os desmandos e a impunidade de Cunha na Câmara dos
Deputados. Risíveis, mas perigosos.
Existe um desejo
inconfesso no PMDB, deixar de ser ator coadjuvante. Os métodos para
materializar esse desejo podem não ter consenso, mas existe maioria
convergente. É questão de tempo, a única barreira são os quadros partidários
atuais, desgastados publicamente ou inexpressivos tecnicamente.
O segundo grupo de
beneficiados está no PSDB. Todas as lideranças do partido aderiram em bloco à
tese do impeachment como caminho ideal para a volta ao poder. Alguns interesses
convergiram. Fernando Henrique Cardoso por vingança ao PT que um dia criou o
Fora FHC e ousou contestar o príncipe da sociologia tupiniquim. Geraldo Alckmin
acuado politicamente por uma gestão fracassada e repressora, o qual tributa
seus problemas à oposição de esquerda. Aécio Neves que nunca aceitou ter
perdido a eleição, incapaz de superar essa frustração partiu para o tudo ou
nada. José Serra o presidente que nunca foi, mas que almeja ser e se imagina
até Ministro do eventual governo Temer para repetir a trajetória trilhada anteriormente
por FHC. As demais lideranças são figuras borradas e absorvidas pela arrogância
tucana.
A estes grupos perguntamos
com Cícero: e no caso que cheguem a conseguir o que desejam com a maior
insolência, porventura esperam obter nas cinzas do país o sangue dos cidadãos?
Não veem que, se conseguirem o que desejam, forçosamente o hão de conceder a outro?
Outro grupo
significativo se encontra no mercado. Às vezes confundidos com algo abstrato,
este é bem concreto, tem nome e endereço. Os bancos não estão satisfeitos com o
que o governo fez até agora, mais irritados ainda com possível redução dos
recursos para pagamentos de juros e dívidas. Os industriais, sobretudo
paulistas, não aceitam perder as reduções e desonerações de impostos dos
últimos anos. As multinacionais querem explorar o pré-sal sem a interferência
da Petrobrás. Após o trabalho difícil de exploração e descoberta das reservas
do pré-sal, desejam usufruir do lucro certo e mercado garantido.
Invocando Cícero,
perguntaria a esse grupo: tu com propriedades, dinheiro, adornados de tudo, duvidais
cortar tuas posses e recobrar o crédito? Que esperas? A guerra? Para que?
Julgas que na assolação geral de tudo hão de ser privilegiados os teus bens?
Temos ainda uma massa difusa
de direita formada por jovens, maduros e malucos. Ignorantes quanto à história
da ditadura militar do país e apoderados de um espírito anticorrupção criaram
os maus corruptos (PT e companhia) e os bons corruptos (qualquer um que consiga
derrubar o PT). Acreditam piamente que a corrupção no Brasil começou ou se
agravou com o PT, portanto, solucioná-la implica em sacar esse partido do
poder. Nazismo, machismo, xenofobia, homofobia, autoritarismo, pobreza
intelectual e a mais profunda ignorância são marcantes nesse grupo. Cícero
afirmaria a estes que “não podendo viver
com decoro, querem morrer com infâmia”.
Apesar de tudo, de
todas as denúncias, pedidos de afastamento e incapacidade de admitir a própria
culpa, Cunha não é Catilina, continua em Brasília e não dá sinais de que fugirá
para Marselha. Mesmo que seja retirado, seus amigos e sócios continuarão. O
atentado contra a República e a Democracia apelidado de impeachment e denunciado
como golpe após o julgamento do Supremo Tribunal Federal receberá o véu de
legalidade. A avidez dos beneficiados será saciada.
NOTA: Quando escrevi o artigo o julgamento no
Supremo Tribunal Federal não tinha sido finalizado. O processo de impeachment
voltou a estaca zero na Câmara dos Deputados e há um nítido enfraquecimento no
primeiro grupo de beneficiados aqui mencionado.
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