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CRÍTICA AO FINGIMENTO (A CRISE DE NOVO)

Jhonatan Almada, historiador, escreve às sextas-feiras no Jornal Pequeno

O Brasil novamente vive uma quadra difícil. Uns apresentam-na como o fim do mundo. Outros como o início do fim. Ambos estão errados. Não é a primeira, nem será a última crise que iremos enfrentar. Vivemos em um país natural e culturalmente rico, com peso e estatura econômica, com povo sempre capaz de um sorriso em meio aos mais insólitos problemas, sobranceiro. Sobranceria no sentido de se sobrepor e ultrapassar esses problemas.

A crise passará. O que faremos para sair dela não está claro. O Congresso Nacional finge que não precisa cortar nada de seu orçamento e que a culpa é do Governo Federal. A imprensa finge que cortar Ministérios e cargos é algo simples e rapidamente realizável como ato de vontade do Presidente sem qualquer consequência para a manutenção da base aliada ou para a execução das políticas públicas. O Judiciário ignora os problemas e flana encapado de preto como vestal inatingível, mas dono da última palavra.

Nesse jogo de fingimento, malucos direitistas vendem a ideia de que basta tirar a Presidente e prender o Lula para a crise acabar. Outros entreguistas propõem que basta abrir o pré-sal ao estrangeiro para o dinheiro voltar a irrigar nossa prosperidade. Nenhum consegue enxergar além do ponto de vista conjuntural. Precisamos de inteligência, criatividade e visão para não jogar sementes na terra seca de direitistas e entreguistas.

A qualidade de nossa elite ou anti-elite governante depõe contra nós mesmos. Proclamamos a República, mas ainda convivemos com pequenos e grandes déspotas nada esclarecidos. Fechados sobre si, sorvendo privilégios, rituais de corte, pompas de circunstância e vantagens solenes. A imensa maioria do povo está cindida, conquistada à direita e rechaçando a esquerda. Inserem-se defendendo aquilo que está, claramente esgotado enquanto portador de futuro, ou alimentando o retrocesso autoritário.

Recordo a figura do lavrador assistindo à declaração de Independência feita por Dom Pedro no clássico quadro de Pedro Américo. À frente de sua junta de bois parece espantado e um pouco incrédulo com a pompa do momento, testemunhado por ele em plano privilegiado. Vendo aquilo deve duvidar do impacto daquele ato fictício ou imaginário no porvir. Apesar dos avanços obtidos com o atual interregno democrático, a leitura de povo não mudou tanto. A elite que governa deseja um povo testemunho. Se sujeito, que seja conduzido na ação, jamais protagonista.

O governante que hesita no jogo de poder, tende a ser arrastado por ele. Não há espaço para hesitação com sujeitos desestabilizadores e conjuntura de crise. A cisão é tão séria no seio da própria elite que os parlamentares no Congresso Nacional organizaram uma frente pré-impeachment e outra em defesa da democracia. Os intelectuais do sofá acadêmico estão perdidos entre os gregos e romanos na eterna costura de teorias da desconstrução ou seduzidos pelos golpes suaves da América Latina (Honduras, Paraguai e Guatemala).

O brasileiro sente forte atração por homens que se mostrem fortes e arrojados ao velho estilo do rouba, mas faz. Rouba, mas é macho; rouba, mas é bom de marketing; rouba, mas é corajoso; rouba, mas não se entrega; rouba, mas ninguém descobre, rouba, mas é inteligente; rouba, mas diz a verdade; rouba, mas ora. Enfim, tolera-se o roubo, desde que derrube o governo, impeça aumento de impostos, aprove legislação fascista e mantenha o Estado amplamente permeável aos interesses particulares. Somos reféns dessas figuras. 

Também temos enorme dificuldade em definir prioridades. Praticamente não há área passível de uma política pública que não receba algum tostão de orçamento. Tudo cabe, todos cabem, entretanto, nem sempre terão sua despesa liquidada. Acreditar que no orçamento público cabem todos os interesses é de um equívoco fenomenal. Por décadas tivemos peças fictícias com déficit escondido ou disfarçado.


A crise é nossa, não dos outros. É preciso sobranceria para enfrentá-la. 

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