Jhonatan Almada, historiador, escreve as sextas-feiras no Jornal Pequeno
Nos idos de 1971, Chu
En-Lai, primeiro-ministro da China, afirmou para Kissinger, secretário de
Estado americano que “existe tumulto abaixo do céu e temos oportunidade de
acabar com isso”. Ainda que comporte uma visão elitista aponta para a
necessidade de serenar os ânimos, hoje em ebulição no Brasil. Não é razoável e
racional acreditar que jogando uns contra os outros, dividindo a sociedade em
puros e corruptos, chegaremos a solucionar os problemas sociais que ainda
sofremos, sobretudo a brutal desigualdade agravada pela corrupção. A nova crise
econômica, de tantas que vivemos ao longo de nossa história, mas sempre
apresentadas pela conjuntura como a definitiva ou a mais terrível, demanda união nacional em prol de uma agenda comum.
Precisamos superar a era
da denúncia e iniciarmos a era do anúncio. Não se faz política visando a
eliminação do campo contrário ao nosso. Essa via leva ao nazismo. Não se faz política
renunciando aos próprios princípios. Essa via leva ao descrédito. Não se faz
política vendendo ilusões e facilidades. Essa via leva a irresponsabilidade.
Não se faz política com a anulação do outro ou a suspensão do diálogo. Essa via
leva ao autoritarismo. Não se faz política com o fígado, via mais rápida para
uma hemorragia interna. Democracia é a convivência respeitosa entre
divergentes, porém, companheiros de um mesmo barco, no qual afundamos juntos,
uns mais rápidos que outros.
Amar o Brasil não é igual
a odiar o PT. Dilma não é o PT. É uma tremenda infantilidade acreditar que
sacando à revelia esse partido, surgirá um santo guerreiro vindo do nada para
curar as feridas e reiniciar sem erros a história. O ser humano não é uma
perfeição, em cada um de nós existe tudo que criticamos ou elogiamos. O caminho
não passa por mera troca de atores, mas por firme costura de futuros. O caminho
é a composição, não o impeachment ou a renúncia.
Tenho minhas críticas aos
descaminhos que a política brasileira tem tomado. Isso é uma coisa. Daí a
defender a interrupção de um mandato presidencial de 7 meses por que não gosto
da presidente, por que enxergo nela o alfa e o ômega da corrupção, vai uma
distância abismal. É preciso senso histórico. O mal absoluto não está no PT,
assim como, o bem absoluto não está no PSDB, menos ainda no PMDB ou qualquer
outro partido. Todos os que tiverem culpa comprovada devem ser punidos, com o
trânsito em julgado da sentença, não antes, por vontade de minorias direitistas
e elitistas. O Ministério Público e a Polícia Federal estão funcionando com
independência talvez em um raro momento da história republicana. A justiça não
está na quantidade de prisões, mas no valor da mudança cultural iniciada, ou
seja, rejeitar não somente nas ruas, mas na prática pessoal e social concretas aquilo
que publicamente condenamos nos outros.
Reconheço, como Chico
Buarque, os avanços sociais significativos nas últimas décadas. Por outro lado,
compreendo que não foram suficientes, bem como, não foram eficazes na mudança
de nossa cultura patrimonialista. Essa erva de danação que verdeja em qualquer
coisa que seja pública só será arrancada por intermédio de educação. Não o
enciclopedismo vazio de sentido, mas educação para o pensar com a própria
cabeça. O pensar de leituras concretas, não de frases soltas postadas no
facebook ou no whatsup. A preguiça de pensar incentivada pelas redes sociais
desestimula a aprendizagem mais consistente e vicia no comportamento de manada.
As redes sociais são uma
via, mas não a única e exclusiva. É fundamental sair do assassinato da privacidade
e se enfronhar em conteúdos inteligentes e inteligíveis sobre o país. Gastar a
vista nos livros ou e-books. Gastar a saliva no debate coletivo. Gastar a sola
de sapato no encontro com o outro. Reconhecer os erros, recomeçar. Não tratar o
futuro do país, a estabilidade política conquistada a duras penas e ao custo do
sangue de uma geração, como assunto de panela cheia ou vazia, ariada ou suja,
de condomínios de luxo e bairros “nobres”. O país é muito maior que essa falsa
consciência nacional que aponta a opção já rejeitada nas urnas como uma via
crível.
Recompor a base,
revitalizar-se nos movimentos sociais, mobilizar o povo, apresentar agenda de
união nacional, enfrentar com altivez, intensidade e responsividade a direita,
dialogar com a oposição, abrir caminho para a emergência de novas lideranças e
efetiva alternância do poder nas próximas eleições são linhas de ação possíveis
e viáveis para escaparmos do desastre e do golpe. Eduardo Campos (1965-2014),
que completaria essa semana 50 anos de idade, com lucidez conclamou “Não vamos
desistir do Brasil”. Estamos de pleno acordo.
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