Pular para o conteúdo principal

TAMANHO DO ESTADO NO BRASIL E SUAS NUANCES



Jhonatan Almada, historiador, escreve as sextas-feiras no Jornal Pequeno

Quando opinamos sobre determinados temas um tanto distantes de nosso cotidiano de leituras ou mesmo da nossa área de conhecimento convém ter cautela e checar as informações que nos fundamentam. Ninguém sabe tudo sobre tudo, lembra-nos o adágio da prudência. Qualquer intelectual que milita no campo das letras deve ter clareza disso e enfrentar de peito aberto os silêncios, aprovações e desaprovações de seus escritos.

Ferreira Gullar no seu artigo dominical para o jornal Folha de São Paulo de 21.06.2015 escorregou na inconsistência da fundamentação. Ao mais uma vez criticar os governos do PT, Lula e Dilma, os acusa de contradição por terem se oposto ao programa de privatizações de Fernando Henrique Cardoso e realizarem atualmente amplo programa de concessões públicas. Concessão não é privatização. Privatização não tem volta, salvo medidas excepcionais quebrando os contratos. Concessão é por tempo determinado e implica no cumprimento de exigências por parte daqueles que as ganham.

A pressa da oposição é falar aquilo que não sabe ou dar estatura tal àquilo que não a possui. Isso é normal. Nunca vi esse negócio de oposição responsável, a necessidade de sobreviver os obriga a arrancar chifre em cabeça de jumento todos os dias. Chega a ser quixotesco, mas compreensível e parte do regime democrático.

O day after do artigo de Gullar é brindado com uma entrevista de Phillip Schiemer, presidente da Mercedes-Benz no Brasil. Após lamúrias e reclamações, dispara “o ajuste fiscal é necessário, mas seria muito positivo se o governo reduzisse os custos da própria máquina, que é muito ineficiente. Ninguém precisa de 39 ministérios”. Aqui não temos o problema da oposição em si, mas o executivo ou administrador de negócios impondo sua visão de mundo às políticas públicas. A velha e equivocada comparação do Estado com uma empresa. Na empresa, Mister Schiemer demite quando quiser e sempre para preservar a margem de lucro. No Estado, estamos lidando com programas, recursos e milhões de pessoas envolvidas enquanto servidores públicos ou beneficiadas.

O debate sobre o tamanho do Governo medido pelo número de ministérios não é novo no Brasil. Foi intenso nos anos de ouro do neoliberalismo tucano. Perdeu fôlego, mas sempre guarda fortes respiros em tempos de nova crise. É um mote útil para distrair o público em geral. O orçamento federal de 2015 dá uma dimensão mais correta desse equívoco de pastiche. Do total de R$ 2,86 trilhões orçados, 1/3 ou R$ 863 bilhões são destinados ao refinanciamento da dívida pública mobiliária federal, isto é, pagamentos de juros da dívida.

O Senado Federal custa aos nossos bolsos R$ 3,9 bilhões, mais do que os orçamentos dos Ministérios da Indústria e Comércio (R$ 3,2 bilhões), da Cultura (R$ 2,6 bilhões) ou do Esporte (R$ 2,5 bilhões). Nem por isso não se reconhece a importância do Senado para a manutenção da estabilidade política ou propõe-se sua extinção. Gastamos mais com Justiça do Trabalho (R$ 16,2 bilhões) do que com Ciência, Tecnologia e Inovação (R$ 9,7 bilhões). Até onde isso vai? Lugar algum. O cerne da questão não é o número de Ministérios, cujo corte, a rigor, só afeta a quantidade de ministros, pois as demandas e os cargos de segundo escalão continuarão existindo pela necessidade mesma de tocar as políticas públicas setoriais.

A China possui 25 ministérios. A Índia possui 38. A Rússia tem 23. Estados Unidos possui 22 entre departamentos e órgãos com esse status.  A Inglaterra, pátria do neoliberalismo tem 24 departamentos com status de ministério e outros 22 sem status de ministério, 46 no total. O que isso diz quanto ao tamanho do Estado? Nada. Em nenhum desses países, o Estado deixar de atuar como grande jogador, estimulando determinadas áreas, desestimulando outras. Investindo mais nessa ou naquela política. Estabelecendo prioridades, influenciando nos rumos da economia. O Estado é parte inerente das definições do sistema capitalista. O mesmo Mister Schiemer que critica o número de ministérios também deseja juros subsidiados, menos legislação trabalhista e zero de impostos. 

Como não temos um projeto de país, nos damos ao luxo de gastar R$ 78 milhões no Ministério das Micro e Pequenas Empresas e torrar R$ 1,7 bilhão com o Tribunal de Contas da União ou R$ 5,9 bilhões com a Justiça Eleitoral. Nosso problema é ausência de prioridade. Em uma democracia o Estado serve ao bem comum. Se isso ocorre de menos ou de forma enviesada é um debate que deve ser feito. O que não se admite é atender a uns poucos com privilégios, deixando as migalhas para as maiorias, gastar tudo com o presente, abandonando as gerações vindouras. Estado e políticas públicas são serviços, ainda que tenham uma tecnicalidade orçamentária e financeira, existem para servir. Estado e gestão das políticas públicas não podem ser comparadas a um programa de computador, onde tudo se resolve com delete.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,...

A Educação do Brasil

A Educação do Brasil: cinco contrapontos necessários Este livro é fruto de um esforço de sistematização sobre cinco questões relevantes presentes no debate sobre a educação pública do Brasil e que tenho abordado em aulas, conferências e intervenções públicas, sobretudo para estudantes na Universidad Autónoma de Baja California (UABC), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Centro Universitário IESB, Universidade Estadual de Roraima (UERR), Centro Universitário UNDB, Faculdade Santa Luzia e Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Portanto, há uma postura didática na minha escrita para responder às seguintes perguntas: 1. Existe só descontinuidade nas políticas educacionais brasileiras? 2. A infraestrutura escolar não importa para a qualidade do ensino? 3. Sobra recurso e falta gestão na educação pública? 4. A qualidade do ensino se resume aos resultados das avaliações? 5. As escolas militares são solução para os problemas da educação pública? Organizei as respostas para essas p...

Jackson Lago - uma biografia para o nosso tempo

JACKSON LAGO uma biografia para o nosso tempo [1] O Grupo Escolar Oscar Galvão e o Colégio Professor Vidigal ainda estão lá, em Pedreiras, como testemunhas vivas a guardar memórias desse maranhense exemplar aí nascido em 01/11/1934. Estruturava-se, então, uma rara vocação de serviço e servidor público, sua marca indelével por toda a vida. De Pedreiras a São Luís, onde freqüentou o prestigiado Colégio Maristas, Jackson Lago foi amadurecendo, mesmo que adolescente, sua aprendizagem de mundo e seu convívio humano e cultural com a admirada Atenas Brasileira. Vocacionado a servir e a salvar vidas, formou-se médico cirurgião na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, aprimorando-se também na residência médica do Departamento de Doenças Pulmonares da Policlínica Geral da Cidade do Rio, então Capital político-administrativa e cultural do Brasil. Com a alma encharcada de chão das vivências da saga do arroz e d...