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GOLPE E CORRUPÇÃO COMO ESPECTROS

Jhonatan Almada, historiador, escreve as sextas-feiras no Jornal Pequeno

Dois espectros rondam o Brasil, nenhum deles é o comunismo. O primeiro é o espectro do golpe, o segundo é o espectro da corrupção. Os movimentos de direita de 2015 se apropriaram do legado das jornadas de junho de 2013 e expurgaram aquele potencial mobilizador em prol de um país melhor. Ficou apenas a vontade de derrubar um governo legitimamente eleito e pôr no seu lugar o PMDB de Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Não é só a ignorância que alimenta o golpe, mas o conjunto de interesses conservadores incomodados em se ver com os ossos expostos pelas operações e investigações da Polícia Federal e Ministério Público, as quais cresceram exponencialmente nos últimos 8 anos. A corrupção deixou de ser o falso privilégio dos políticos, trata-se de prática institucionalizada, pública e privada, a transferir milhões de reais do povo e do país para o exterior em quantidades impossíveis de serem consumidas em vida pelos corruptos ou seus descendentes.

O desvio de dinheiro da Petrobrás e os esquemas da parcela mais rica da população para não declarar o imposto de renda, depositando suas fortunas em contas secretas são frutos da mesma árvore: a corrupção. O espírito de saque do colonizador está arraigado nos membros da Casa Grande, para estes, a Senzala que lhes serve permanecerá conformada e submissa por suas concessões pequenas e episódicas. Além de todo o capital e os instrumentos que dispõem, lançam mão da mídia hegemônica para erigir versões como verdades, enganando a Senzala ao fazê-la crer-se Casa Grande.

O ódio irracional, a incapacidade de conviver com o diferente, a descrença na política e nas instituições, a ignorância histórica como emblema, a violência e o arbítrio aclamados como solução de nossos problemas alimentam o golpe, batizado com os mais diversos eufemismos, desde intervenção militar constitucional a impeachment. A memória de Raymundo Faoro e do Direito brasileiro ficaram envergonhadas pelo desassombrado parecer de Ives Gandra da Silva Martins dando forma legal ao golpe.

O financiamento privado das campanhas, a impunidade, o foro privilegiado, a desonestidade como prática cotidiana, a função pública como oportunidade de se fazer ou se dar bem, o nepotismo, a falta de transparência com os gastos públicos e a ineficácia das políticas públicas (educação, saúde e produção) alimentam a corrupção. A fome de dona Nadir do município de Centro do Guilherme não comove nem chega à militante do feminicídio que passeou de cartaz em punho no dia 15 de março. Houve dissociação entre fome e morte, só possível na cabeça e na barriga de quem nunca conheceu uma e outra.

Não mais como espectro, o Partido Comunista do Brasil completou 93 anos, fato comemorado em sessão solene na Assembleia Legislativa do Maranhão com a presença de lideranças expressivas, como o presidente nacional Renato Rabelo e todas as forças políticas que elegeram Flávio Dino o primeiro governador comunista da história do Brasil. O discurso do governador resgatando em amplo arco a trajetória histórica do partido convergiu na menção aos três desafios que assumiu enquanto missão de governo e de vida, qual seja, democratizar o poder, a riqueza e o conhecimento no Maranhão.

Sempre que a democracia foi suspensa no país, o PCdoB era o primeiro partido a ser cassado. Por outro lado, quando ocorriam as redemocratizações, o PCdoB era o último a ser legalizado. Defender o comunismo, isto é, aquilo que deve ser comum de todos, comunhão de iguais, em um mundo absorvido pela voragem individual e o espírito de saque não é tarefa das mais fáceis. A busca por uma sociedade democrática, justa e igualitária com oportunidade para todos custou a vida de muitos ao longo desses 93 anos. Ceifados em nome da causa e fiéis a si mesmos até a derradeira hora, essas pessoas foram lume na borrasca moral e hipócrita das ditaduras, saúdo a memória delas em Olga Benário e Frei Tito.


Apesar de toda a brutalidade e barbárie que alimenta as estradas da fome no Brasil e no mundo, mesmo no deserto, sorvendo água do orvalho, frutificam pessoas que perseveram na luta pela mudança, saúdo-as no sindicalista Ivan Ferreira, na professora Maria José do Carmo e na conselheira tutelar Ronilda Nascimento. O trabalho deles dignifica a humanidade, revitaliza as instituições e nos energiza no enfrentamento do desafio de mudar o Maranhão. Sinalizam que poder, riqueza e conhecimento concentrados alimentam golpe e corrupção. Democratizá-los, implica em gerar prosperidade e punir rigorosamente os corruptos.

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