O MARANHÃO DA CONFIANÇA
Jhonatan Almada, historiador e primeiro secretário do Instituto Jackson Lago
O concurso público é o instrumento mais republicano para o
ingresso na burocracia de Estado. Dentre todos os poderes da República, talvez
o Poder Executivo na esfera federal seja o que mais avançou em regularidade,
abrangência e exigências. Caminho iniciado a partir do trabalho do velho DASP,
criado sob o governo Getúlio Vargas, nos idos de 1930. Os que chegaram por último nesse campo, foram
os Poderes Legislativo e Judiciário. Nas três últimas décadas tem conseguido
alguns avanços. Contudo, todos os três Poderes nas várias esferas nutrem seus
exércitos de cargos comissionados e de confiança, distribuídos com base em
critérios obtusos e nebulosos.
Quando atentamos para a esfera estadual a situação se torna
mais grave. O Instituto Jackson Lago tem realizado um trabalho de resgate da
memória do Governo Jackson Lago (2007-2009). Dentre os achados de pesquisa,
estão documentos com as providências para uma ampla reestruturação das
carreiras do serviço público estadual e a abertura de concurso público em todas
as áreas, iniciativas que não puderam sair do papel. As ideias, pelo visto,
foram aproveitados pelo atual Governo.
Tomemos a situação atual do Maranhão. O Poder Executivo
realiza concursos com regularidade apenas para duas áreas: segurança pública e
educação básica. O que não quer dizer boa prestação de serviços públicos vide a
violência crescente e a baixíssima qualidade social do ensino.
Quanto à segurança pública é tão sui generis que quando uma
investigação policial é concluída, a governadora faz coletiva de imprensa.
Implicitamente admite-se a falência do sistema de segurança e a incapacidade de
cumprir com suas funções. Tenho dúvidas se esse é um problema de base do
sistema ou se é pura incompetência gerencial.
No que diz respeito à educação básica a falta de uma
carreira efetiva para as professoras e professores é claríssima. Passa tanto
tempo entre a entrada dos pedidos de progressão e o atendimento, que a
Governadora anuncia com fanfarra quando ocorre. Milhares ascendem na carreira
ao mesmo tempo e por intermédio de um único ato da governante. Se isso ocorre
de uma vez, quer dizer duas coisas: incompetência gerencial no encaminhamento
dos pedidos e vários anos transcorridos até o reconhecimento desses direitos.
O Governo do Estado preserva um nicho de aproximadamente 5.000
cargos comissionados e de confiança. Nesse número tem de tudo, de auxiliar de
serviços gerais a Secretário de Estado. Tudo é cargo de confiança de livre
nomeação pela Governadora do Estado. O último concurso público amplo foi
realizado no Governo Edson Lobão no início da década de 1990 e contou com forte
resistência interna para ser iniciado e concluído.
Garante-se com a manutenção desse sistema margens de
barganha junto à base política do governo, distribuição de benefícios aos cabos
eleitorais e fidelidade canina da burocracia ao mandatário de turno. Por outro
lado, compromete-se a memória funcional e a renovação dos quadros. A memória
funcional vai embora quando o ocupante do cargo sai. A renovação dos quadros
não ocorre por que alguns conseguem ficar ao longo de vários governos, se
aposentam e continuam exercendo o mesmo cargo.
O Poder Judiciário do Maranhão avançou muito na última
década nesse quesito. Regularmente realiza concursos públicos e convoca os
aprovados. Desenvolve formação continuada com os novos servidores e tem buscado
uma distribuição equilibrada dos contingentes empossados por todo o território
estadual. O problema do Judiciário maranhense diz respeito a sua efetividade.
Tema para outra discussão.
A Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão só realizou
um único concurso público até hoje. É o Poder menos republicano de todos. A
lógica do cargo de confiança impera absoluta. São tantos cargos que caso
decidissem trabalhar ao mesmo tempo e no mesmo dia, o espaço físico não
comportaria. O mais inacreditável é que aprovaram um Plano de Carreira e
Remuneração para 16 concursados, únicos de um exército de 1.553 nomeados pelo
Presidente da Assembleia. Temos ainda 471 efetivos, provavelmente servidores
que entraram pela brecha constitucional de 1983 ou vieram de outros órgãos a
pedido de algum deputado.
Os cargos de confiança e comissionados deveriam ser a
exceção, não a regra. Os dirigentes de poderes utilizariam esses cargos para
dar o direcionamento político-estratégico de sua gestão à administração pública
e não substituir a própria administração pública, a qual deveria estar baseada
em uma burocracia profissional.
A confiança tem uma interpretação toda especial no Brasil e
no Maranhão em particular, passa pelo “fazer parte” das redes de relações do
mandatário, relações de compadrio, familismo e elitismo. De vez em quando,
alguém escapa por mérito, raríssimas vezes. Em face disso, penso que se o
Maranhão é a terra dessa confiança, também é a do inconcurso, irmão gêmeo da
confiança. Nem preciso falar das recentes matérias jornalísticas sobre as
fraudes nos concursos públicos municipais.
Quantas gerações ainda serão frustradas pelos atuais
dirigentes do Poder Legislativo e Executivo no Maranhão? Quantos não se
esforçam anos a fio estudando e esperando a oportunidade do concurso público?
Quanto não é gasto em cursinhos preparatórios em nome desse sonho ibérico? Onde
anda o Ministério Público do Estado do Maranhão que é tão forte com os
municípios, mas tão frágil com os Poderes?
Cada vez melhores as suas análises.Aziz
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