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A Amnésia do Acadêmico


Não é a primeira vez que falamos da crise de memória que vez por outra afeta as gerações contemporâneas. Lembra-se o que é conveniente, omite-se ou apaga-se o que não for útil naquela conjuntura. O historiador Marco Antonio Villa na sua passagem pelo Maranhão, inaugurando as atividades do Instituto Jackson Lago, falou dessa amnésia seletiva e da necessidade de relativizarmos a trajetória e o poder atual do senador José Sarney. Sem cairmos na ingenuidade, podemos fazê-lo. É suficiente tomar por referência os dois cargos mais importantes que exerceu ou exerce até agora: a Presidência da República (1985-1990) e a Presidência do Senado Federal.

Quem foi o primeiro maranhense a chegar a Presidência da República? Muitos dirão, foi José Sarney. Não. Não foi. Foi Urbano Santos (1859-1922), político maranhense que foi deputado federal por três mandatos (1897-1900; 1900-1903; 1903-1905), governador (1898; 1913; 1918) e senador (1906-1914) pelo Maranhão na Primeira República ou República Velha (1889-1930). Foi vice-presidente da República entre 1914-1918 no mandato de Wenceslau Brás. Assumiu interinamente a Presidência em 1917, quando Wenceslau se afastou para um tratamento de saúde. Foi novamente eleito vice-presidente da República no mandato de Artur Bernardes (1922-1926), mas falece antes de assumir. Sua morte abriu uma crise profunda na política maranhense, pois ele era o que hoje é José Sarney para o Maranhão. 

Existiam inúmeros constrangimentos ao exercício pleno da democracia na Primeira República, entre eles a proibição do voto dos analfabetos, das mulheres e dos homens menores de 21 anos, resultando em eleições que envolviam no máximo 5% da população brasileira. Entretanto, ainda assim, as eleições para Presidente e Vice-presidente eram pleitos diretos e independentes. Os candidatos teriam que obter maioria absoluta dos votos para alcançarem o cargo. Nesse sentido, além de ter sido o primeiro maranhense a assumir a Presidência da República, Urbano Santos foi também o primeiro a chegar eleito diretamente, como Vice-Presidente e por duas vezes.

Em artigo publicado hoje no jornal de propriedade do senador, o “acadêmico” Benedito Buzar demonstra amnésia seletiva em relação a esse fato. É bom dizer que a denominação de acadêmico não se refere a uma longa carreira na Universidade, mas ao fato de ser membro da Academia Maranhense de Letras. Comparando as trajetórias de Urbano Santos e José Sarney, o acadêmico informa que Urbano Santos não chegou a  assumir a Presidência. Registro banal se fosse verdadeiro. Não é o caso. 

Entendemos tratar-se de uma amnésia seletiva, pois se o fato mencionado fosse admitido, isto é, Urbano Santos assumindo a Presidência da República, isso afetaria algo que está na história oficiosa, no folclore político e na mentalidade do maranhense de classe alta e média (se ela existir). Pensam que o senador José Sarney foi o primeiro maranhense a ser Presidente da República e os que disso se beneficiaram ou beneficiam tem orgulho de dizê-lo. Esquecem voluntariamente como isso ocorreu. Esquecem que teve a fortuna de exercer a Presidência da República por uma ironia da história: a morte de Tancredo Neves. Não há mérito nisso.

Quem foi o mais longevo Presidente do Senado? Muitos dirão novamente, foi José Sarney. Não. Não foi. Foi Antonio Paulino Limpo de Abreu (1798-1883), visconde de Abaeté, senador e Presidente do Senado do Império de 1873 a 1861, ou seja, 12 anos ininterruptos. É importante lembrar que no Brasil Império se chegava ao Senado por indicação do Imperador e o cargo era vitalício. As crônicas de Machado de Assis dão conta do que esse sistema significava em termos de decrepitude e autismo político. A dúvida é se isso mudou muito. Há alguns anos chegou-se a propor mandato vitalício de senador para os ex-presidentes da República. E ainda acredita-se que a história é mestra da vida.

Quem esteve por mais tempo como Presidente do Senado no Brasil Republicano? Muitos dirão novamente, foi José Sarney. Sim, agora com razão. Foi José Sarney. Antes dele, apenas Auro de Moura Andrade conseguiu feito similar. Permaneceu por 7 anos como Presidente do Senado (1961-1968). Durante seu mandato navegou pelos anos conturbados de instalação da Ditadura Militar. José Sarney teve quatro mandatos à frente da Presidência do Senado (1995-1997; 2003-2005; 2009-2011; 2012-2014). Ganhou por 1 ano a mais. Nada além. Atravessou incólume, dois governos de partidos “relativamente” diferentes (PSDB e PT), inúmeros escândalos, acusações e corrupção. Sempre se fazendo de “estadista” do Brasil e “eufórico” com o Maranhão que sujeita e empobrece. 

Relativizar historicamente não é tão difícil. O problema maior é como não deixar que o domínio político do senador José Sarney complete seu cinquentenário em 2015 ou 2016. A depender do ano que se adote como marco zero da comemoração. 1965 para os que se iludiram com sua eleição para Governador do Maranhão. 1966 para os que se iludiram e até hoje se autoenganam com esse governo. Para superá-lo, como vimos, não basta ter lucidez e relativizá-lo, pois até a memória e a história sobre si é inventada e reinventada ao sabor do tempo e dos interesses conjunturais, sob o signo da amnésia e da euforia.

Jhonatan Almada, historiador e primeiro secretário do Instituto Jackson Lago

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