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O GOLPE DE 16 DE ABRIL DE 2009 E A TRANSIÇÃO INTERROMPIDA

O GOLPE DE 16 DE ABRIL DE 2009 E A TRANSIÇÃO INTERROMPIDA


Franklin Douglas
Márcio Jardim
Silvio Bembem

(*)


Lembrar um ano do golpe via judiciário no voto popular do maranhense, que resultou na cassação do mandato do governador Jackson Lago, é obrigação de todos aqueles que acreditam na Democracia. E revisitar aquele momento histórico, apontando criticamente os erros e acertos da primeira experiência de governo eleito pelo povo contra o esquema Sarney, é tarefa dos que desejam que a proeza do voto popular que derrotou a velha oligarquia em 2006 se repita em 2010.

O golpe via judiciário do dia 16 de abril de 2009 só foi caracterizado como golpe porque houve um forte movimento de resistência e mobilizações de rua denunciando ele.


Fazer essa resistência não foi consenso. Pelo contrário, setores do governo – sobretudo seu chamado “núcleo duro” – apostavam tudo nas articulações de bastidores no tribunal, nada nas ruas (ganharíamos por ampla diferença no TSE, diziam).

Tal pressão popular foi fruto da ação dos movimentos sociais que encamparam a luta em defesa do voto sob a forma de Movimento Balaiada: organizações como MST, Movimento de Moradia, Fetaema, movimentos juvenis como Xô Sarney/Rosengana, movimento de mulheres, direitos humanos, indígenas, quilombolas. O Movimento Balaiada foi articulação popular com sustentação partidária, notadamente de todo o PT anti-Sarney, de boa parte do PDT, do PSB e do PCB. Teve tímida participação do PSDB e simbólica do PCdoB.

Com os “balaios”, somaram-se defensores fora do governo com opiniões e artigos como César Teixeira, Freitas Diniz, Manoel da Conceição, Haroldo Saboia, Zeca Baleiro, Leocádia Prestes, Frei Betto, Beth Carvalho, entre outras personalidades.

A “nova” Balaiada não tomou as ruas nas dimensões pretendidas (envolver o povo amplamente), mas tornou-se fator de mobilização de amplos setores organizados. Isso colocou de 5 a 10 mil pessoas nas ruas em Imperatriz – no dia 13 de março de 2009. Pouco mais em São Luís – em 31 de março. Uma marcha pela democracia percorreu 120 quilômetros de Itapecuru a São Luís (de 24 a 31 de março), com a participação solidária de João Capiberibe, João Pedro Stédile e Olívio Dutra.

O Movimento Balaiada de denúncia do golpe via judiciário contribuiu para: (I) chamar a atenção da mídia nacional para o que acontecia no Maranhão; (II) mudar a opinião pública sobre o juízo de "justiça foi feita" pelo qual o Sistema Mirante massacrava ogoverno estadual (mesmo ganhando dinheiro do governo até o último dia dele!); e (III) ofuscar a posse de Roseana Sarney – governadora biônica, sem voto e sem Palácio dos Leões – ocupado pelos “balaios” que resistiram ao golpe.

A “Balaiada” poderia ter sido maior, não fosse a minguada base parlamentar na Assembléia Legislativa (que sequer tentou inviabilizar a posse de Roseana no Poder Legislativo); o apoio de raros prefeitos (boa parte dos presentes estava mais interessada era na liberação dos convênios no apagar das luzes); e ausência de vereadores da capital politizando o golpe na Câmara Municipal (nenhum se colocou no debate).

Mas sua baixa adesão social, em São Luís, decorreu de equívocos da condução do governo em questões como a greve dos professores e dos policiais civis. Reconhecer todas as demandas quando o governo já estava em vias de ser derrubado acentuou ainda mais o ressentimento das duas categorias e a percepção de que o governo não negociou

pra valer antes porque não quis.

Tal fato, acrescidos dos desvios éticos, corroeu a legitimidade do governo (o ato do governante ser aceito pelos governados). Por isso, junto com outros “balaios”, defendemos há um ano o voto e o mandato popular outorgado pelo povo a Jackson Lago, não o governo, cuja construção das políticas públicas não expressaram o método de governo de coalizão que resultou da ampla unidade das oposições nas urnas de 2006. Além da articulação política em bases fisiológicas que, após um ano, demonstram que em nada acumularam para o avanço das forças populares. Deputados e prefeitos que foram “reinaldistas”, depois “jackistas”, naturalmente voltaram ao sarneísmo sem qualquer pudor.

O Movimento Balaiada, portanto, foi movimento de defesa do valor do voto, da soberania popular, do mandato de Jackson, de denúncia da oligarquia Sarney, onde antecipávamos o desmonte que se teria de diversas políticas públicas que setores progressistas do governo golpeado tentavam construir.

Ao contrário dos neosarneysistas do PT, que agora chegam ao governo estadual pelas portas dos fundos abertas pela oligarquia e sem autorização do partido, entramos no governo da Frente de Libertação, em janeiro de 2007, pela porta da frente: fruto de nossa participação ativa no segundo turno da campanha de 2006, da aprovação por unanimidade da instância partidária (o Diretório Estadual do PT) e de nosso sonho em dar tudo de nós para a realização de um momento novo para o Maranhão.


Ficamos como aliados leais até o último momento: do PT não saiu nenhum escândalo no governo e nos faltaram as condições necessárias para avançarmos muito mais com as políticas do governo Lula no Maranhão.

O discurso de saída do governador Jackson Lago do Palácio dos Leões, na manhã de 18 de abril de 2009, em direção à sede do PDT, foi um momento de autocrítica dos erros cometidos no governo: “devíamos ter ouvido mais os movimentos sociais”, discursou o governador deposto. Ali, Jackson Lago revelou que sua sensibilidade pessoal para com os movimentos sociais e as políticas públicas transformadoras não foi acompanhada por alguns de seus mais influentes auxiliares, que revelaram suas faces retrógadas e de conciliação com o sarneismo.

O golpe de um ano atrás interrompeu uma transição (do sarneismo ao que viria a ser o pós-sarneismo) em construção que, em verdade, deveria ter sido uma ruptura com o sarneismo, não fossem as opções dos setores mais conservadores do governo.


Erraram os que deram como morta uma oligarquia que tinha sido apenas ferida. Subestimou-se o adversário que, em 40 anos, entranhou-se nos diversos poderes e espaços da República e, em especial, no Judiciário. Com esses equívocos, foi restaurada a oligarquia barrica.

Que o caminho das oposições em 2010 seja de fato guiado pela autocrítica anunciada há um ano. Só a efetividade dela garante não repetirmos os erros do passado e retomarmos a unidade com o povo para uma vez mais derrotar no voto popular a carcomida oligarquia.

(*) Franklin Douglas, Márcio Jardim e Silvio Bembem – foram, respectivamente, secretários adjuntos do Trabalho (SETRES) - 2007 a 2009, Juventude (SEEJUV)-2007/Minas e Energia (SEME)- 2008/09 e da Igualdade Racial (SEIR) - 2007 a 2009. Integram a Direção Estadual do PT-MA.

Fonte: Jornal Pequeno, 18/04/2010 (domingo).

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