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O PNE ignorado - entrevista de Dermeval Saviani

“Plano Nacional de Educação foi solenemente ignorado”, diz especialista

Estudo divulgado recentemente mostra que boa parte das metas não foram atingidas

Amanda Polato, do R7

Este ano, o Brasil deve elaborar um novo PNE (Plano Nacional de Educação), que valerá de 2011 a 2020. Entre os dias 28 de março e 1º de abril, durante a Conae (Conferência Nacional da Educação), serão discutidas as prioridades que o Brasil vai estabelecer para a educação nos próximos dez anos.

Mas é grande o questionamento em torno do plano que foi criado em 2001 e está atualmente em vigor. Poucas metas foram atingidas – exatas 33%, segundo dados preliminares divulgados recentemente.

O PNE é um documento que estabelece tudo aquilo que o país precisa fazer para que a educação atinja níveis desejáveis de investimentos, qualidade, quantidade de vagas nas escolas e universidades, entre outros.

O atual plano estabelece, por exemplo, que 30% dos jovens estejam matriculados no ensino superior. Mas o país só tinha 13% deles nesse nível em 2008. Alguns avanços também foram registrados, como o aumento do número de matrículas de crianças na pré-escola, que deve chegar a quase 80%.

Independentemente dos resultados, o que muitos especialistas constatam é que o plano foi desconsiderado no país.

Dermeval Saviani, professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e especialista em política educacional e história da educação brasileira, é categórico: o plano foi “solenemente ignorado”.

Em entrevista ao R7, o professor conta o histórico do PNE, faz críticas a ele e comenta avanços da educação no país, além de traçar recomendações para o próximo documento. Confira a seguir:

R7 – Como foi criado o atual PNE (Plano Nacional de Educação)?

Dermeval Saviani – Após a aprovação da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996] já se iniciou a discussão sobre o plano. O artigo 87 da LDB previa que, até um ano após a publicação dessa lei, o governo deveria encaminhar uma proposta de Plano Nacional de Educação. Em 1997, no segundo Coned (Congresso Nacional de Educação), realizado entre 6 e 9 de novembro em Belo Horizonte (MG), foi aprovado o documento Plano Nacional de Educação: Proposta da Sociedade Brasileira em contraposição à proposta de plano do governo.

O projeto do PNE deveria ter entrado para votação no Congresso até 23 de dezembro de 1997, mas o prazo venceu. Então, no dia 10 de fevereiro de 1998, o deputado Ivan Valente, que estava no PT, deu entrada na Câmara dos Deputados com esse projeto, feito pelo movimento dos educadores.

Mas, no dia 12 de fevereiro do mesmo ano, o MEC [Ministério da Educação] entrou com seu próprio projeto. O Congresso nomeou um relator, do PSDB, que elaborou um plano substitutivo, baseado no programa do governo, invertendo assim a ordem de prioridade dos planos apresentados. Houve discussões, emendas, inclusão de alguns aspectos do Plano Nacional da Sociedade Brasileira e o projeto final foi aprovado em 2001.

R7 – Qual a sua avaliação sobre o plano em vigor?

Saviani – A proposta do governo deixava a desejar em vários aspectos, especialmente na parte do financiamento. O governo não se dispunha a ampliar os investimentos. A LBD estabelece prioridades para Estados, municípios e União. Os Estados cuidariam do ensino fundamental e, principalmente, do médio. Aos municípios caberia, em especial, a educação infantil e o fundamental. A LDB não diz que a prioridade da União era o ensino superior. E o poder público não assumia investimentos nesse nível.

A meta era triplicar as vagas nas universidades, para atingir 36% da população de 18 a 24 anos. Esse aumento deveria ser em proporções iguais, tanto nas particulares quanto nas públicas. As públicas contavam com os esforços dos Estados e de parcerias com instituições filantrópicas, além de cursos do nível pós-médio. Mas a ampliação de vagas nas federais não era assumida.

R7 – Que outros problemas o senhor identifica?

Saviani – O governo não admitia que o percentual do PIB (Produto Interno Bruto) a ser investido na educação passasse de 6%. O projeto da sociedade previa “aumentar, em dez anos, os gastos públicos com educação até cerca de 10% do PIB”. Depois de acordos, o texto final do PNE fixou o percentual de 7%. Só que esse dispositivo foi vetado. Então, todo o conjunto de metas do PNE, que dependia de investimentos, ficou comprometido. O plano ficou manco, com jeito de carta de intenções.

R7 – O senhor concorda com a análise de que o atual PNE possui muitas metas e não indicadores para verificar se elas foram atingidas?

Saviani – Concordo. O plano sofre de um problema estratégico de elaboração. Ele parte de um diagnóstico adequado, mostrando as limitações e as ações que devem ser feitas, e estabelece metas. Mas há uma profusão de metas, quase 300, o que o torna muito fragmentado. É preciso estabelecer metas básicas, para serem cumpridas num prazo relativamente curto, para que a sociedade possa acompanhar e cobrar.

Outra crítica é a questão da gradatividade, de se aumentar o investimento, por exemplo, poucas porcentagens por ano, para chegar ao índice desejável ao longo de uma década. Isso dilui os investimentos, dificulta o acompanhamento e a fiscalização e facilita o descumprimento das metas fixadas. Sou a favor de um programa de impacto, de duplicar imediatamente o valor investido, para fazer a diferença.

R7 – Esse plano também trouxe avanços?

Saviani – Há uma dinâmica na sociedade que, com plano ou sem plano, algumas pressões têm que ser atendidas. Houve aumento de recursos e alguns avanços, mas não propriamente por causa desse plano. O plano foi solenemente ignorado. A lei previa que o PNE passasse por uma avaliação no quarto ano, mas isso não foi feito. Cheguei a alertar parlamentares na Câmara dos Deputados sobre isso, mas nenhuma medida foi tomada.

Em 2007, o MEC lançou o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação). A ideia de que ele iria substituir o PNE não procedia, porque o novo plano era um programa de metas e reunia ações do ministério. A impressão que eu tive era que o PNE era ignorado por todos, como se não existisse.

R7 – Dados preliminares de um estudo realizado a pedido do MEC mostra que só 33% das metas do PNE foram atingidas. Esses avanços não tiveram, então, relação com plano?

Saviani – Esse estudo pegou as metas e foi verificar o que aconteceu. É algo válido porque o plano está em vigor. Então, havia uma meta de colocar 50% das crianças de zero a 3 anos nas creches até 2010. Tudo indica que a meta não foi atingida porque o estudo constatou que, em 2008, chegou-se apenas a 18%. Mas se verificou que houve um aumento no atendimento. A questão é a seguinte: o aumento ocorreu porque o governo estava se guiando pelo PNE? Não. Nem os municípios evocavam o plano para tomar suas decisões, nem o MEC fazia isso quando formulava um programa.

R7 – O senhor poderia dar um exemplo?

Saviani – No caso das creches, a decisão de aumentar a oferta era tomada por causa da pressão da população. Os prefeitos usavam isso com fins eleitorais e faziam aquele discurso de que iriam criar mais creches e de que a educação era prioridade. Por sua vez, o MEC dava os recursos ou inseria o município em algum programa de ampliação das creches.

R7 – Houve diferenças entre os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso?

Saviani – O que eu observei é o seguinte: o primeiro mandato do governo Lula não se diferenciou do FHC. Havia uma expectativa de que as coisas mudassem, por causa das críticas do PT ao antecessor e pelo envolvimento do partido no Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira. Mas o governo Lula não derrubou o veto ao compromisso de 7% do PIB para a educação. Era o mínimo a ser feito.

No entanto, no segundo mandato, o governo se diferenciou. Reviu a questão do ensino técnico, abriu mais vagas nas universidades federais, criou o PDE e o Fundeb, o que não ampliou tanto os recursos, mas, sim, a distribuição deles.

Mesmo assim não vejo uma disposição firme para configurar a educação como prioridade máxima. Não houve o reforço do sistema público de ensino superior – hoje 80% das vagas são cobertas pelo ensino privado. Deve haver uma mobilização forte para que a educação receba prioridade que corresponda ao discurso. Senão apela-se para a boa vontade, para a filantropia, como se a educação não fosse compromisso de Estado.

R7 – Para que um plano como esse funcione, o que falta é vontade política?

Saviani – Sim, vontade política, no caso dos governantes, e uma forte mobilização dos setores sociais que consideram a educação como uma prioridade que deve ser levada a sério.

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