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A violência contra as escolas está vinculada a expansão do extremismo de direita no Brasil e no mundo

Entrevista publicada no blog O INFORMANTE (link)

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Um dos assuntos mais pautados pela ‘grande mídia’ do Brasil nos últimos dias tem sido a violência na escola, o que se deve principalmente ao fato de ter crescido o número de ataques nas instituições de ensino no País. Só nestes primeiros quatro meses de 2023, ao menos cinco “grandes casos” viraram manchete na imprensa.

Seguindo a pauta, conversamos com o professor Jhonatan Almada, membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e doutorando em educação pela Unesp, com larga experiência à frente de escolas públicas do Maranhão.

JORNAL PEQUENO – Professor, no final de março, em entrevista ao jornal Estadão, a também professora universitária Telma Vinha - especialista em convivência escolar e formação ética - ao repercutir sobre a violência nas escolas de São Paulo afirmou que ‘Vai acontecer de novo, só não se sabe onde’. Infelizmente voltou, agora - pra citar o caso mais recente - a chacina de Blumenau, em uma creche, vitimando inocentes de 4 anos de idade. Na sua opinião, que fatores têm contribuído para a perpetuação da violência na escola?

Temos utilizado o conceito de violência contra as escolas e não violência escolar, para diferenciar esses casos dos outros tipos de violência. A violência contra as escolas está vinculada a expansão do extremismo de direita no Brasil e no mundo, baseado em discurso do ódio, racismo, machismo, misoginia e homofobia. Crianças e adolescentes estão sendo cooptados por essas ondas de ódio que chegam a eles via internet. Nos últimos anos, vimos políticos invadindo escolas, estudantes gravando aulas nos celulares para criminalizar seus professores, agressões verbais, físicas e nas redes sociais. Houve deliberado clima de incentivo e de direcionamento desse ódio às escolas. Como bem disse o Ministro Flávio Dino, a palavra tem poder, o discurso do ódio só pode resultar na produção da morte. 

JORNAL PEQUENO – Telma Vinha defende uma política que prepare professores para lidar com conflitos e com a radicalização da juventude. É retrógado falar também de família, comunidade e sociedade? O que o senhor nos diz de tudo isso?

Não é retrógado, desde que entendamos que existem diferentes tipos de famílias e nenhuma delas é desestruturada. O ambiente familiar que vive embebido em discurso de ódio, violência, agressão, xingamentos e desrespeito contribui para agravar o problema, qualquer que seja a família. O cerne da questão é ajudar os professores a identificar os sinais de extremismo e alteração do comportamento nos estudantes, tais como, problemas de autoestima, ideias paranoicas ou de perseguição, traços antissociais, traços de grandiosidade, obsessão, narcisismo, senso equivocado sobre direito (justiça), recusa de falar com professoras e gestoras mulheres, agressividade, atitudes violentas, uso de expressões discriminatórias e exaltação a ataques, para ficar nesses exemplos.  

JORNAL PEQUENO – Quando falamos de violência na escola, há aqueles que afirmam que ela não é um fato isolado, mas que reproduz a violência na sociedade. Acontecimentos como as últimas eleições presidenciais do Brasil foram marcados por atos de polarização e extremismo. Na sua opinião, toda essa violência que vem sendo praticada nas escolas pode realmente ser uma reprodução do que está posto Brasil afora? 

Recomendo que todos leiam o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil”, elaborado por um conjunto de pesquisadores sob a coordenação do professor Daniel Cara, da Universidade de São Paulo-USP e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Está muito claro que a violência contra as escolas está diretamente relacionada ao crescimento do extremismo, para se ter uma ideia, metade dos ataques às escolas ocorreu com armas que vieram da casa dos atiradores, armas registradas nos CACs ou de policiais. O liberou geral que ocorreu em relação ao porte de armas, a criminalização da figura pública do professor e do trabalho da escola são filhos diletos do extremismo de direita.

JORNAL PEQUENO – A ideia de que a violência na escola é caso de polícia no sentido de que devem haver programas especiais que garantam a presença mais ostensiva da corporação também tem seus adeptos. Frente aos novos ‘dispositivos’ sugeridos para combater a violência na escola, essa é uma pauta superada ou devemos sim defendê-la e por que?

Papel da polícia não é ficar rondando a escola ou abrir um posto policial dentro da escola para coibir a violência. É preciso usar inteligência policial e investigativa, trabalhar de forma intersetorial e preventiva. É isso que funciona no mundo. O Maranhão precisa ter seu protocolo de enfrentamento da violência contra as escolas, há que ter delegacia especializada no acompanhamento e monitoramento dos grupos extremistas, especialmente na internet e criar redes de comunicação e confiança entre as polícias e a escola para que as situações de emergência sejam informadas e prontamente atendidas. Agindo assim, evitaremos novas tragédias. Cada um de nós morre um pouco quando nossas crianças, jovens e professores são mortos. Queremos e precisamos de uma cultura de paz.

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