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OS ESTUDANTES NOS ENSINAM A RESISTIR


Jhonatan Almada, historiador

A cada retrocesso e retirada de direitos sociais vemos se agigantar um silêncio terrível, unicamente quebrado pelos estudantes do ensino médio que iniciaram o maior processo de mobilização política da juventude brasileira, acompanhados depois pelos estudantes universitários. Diferentemente das reivindicações dispersas de 2013 apropriadas e direcionadas para a direita em 2015/2016, a juventude levanta luminosa bandeira em defesa da educação pública, contrários em peso à PEC 241/55 que impõe teto aos gastos públicos.

Os estudantes estão ensinando seus professores. Nós ficamos tão acomodados com a violência continuada e televisionada que não reagimos. O Congresso Nacional aprova medidas provisórias em velocidade psicodélica, o Poder Executivo expele decretos fechando setores e encerrando programas sociais, o Poder Judiciário preenche vácuos de legislação para dificultar o exercício de direitos. E os estudantes secundaristas se erguem corajosamente contra todo esse império de maldades. 

Analisando a história da cidadania no Brasil, José Murilo de Carvalho afirma ao final de sua reflexão que “a esquerda e a direita parecem hoje convictas do valor da democracia. Quase todos aceitam a via eleitoral de acesso ao poder. Por outro lado, a direita também, salvo poucas exceções, parece conformada com a democracia”. Na verdade, o debate político está interditado, temos a volta do pensamento único neoliberal que resume os problemas do capitalismo ao corte de gastos do Estado nas áreas sociais.

Nós temos ataques combinados via mídia, por exemplo, os editoriais do jornalista Alexandra Garcia que conseguem defender até o extermínio dos judeus pelo nazismo com alguns truques retóricos e reducionismos óbvios ou os programas de rádio da Jovem Pan, sobretudo aqueles com participação de Reinaldo Azevedo e Marco Antônio Villa, diariamente expondo pseudointelectualismo com alta capacidade de distorção, ignorância, homofobia, racismo, machismo e tudo que neste mundo se condena como desumano. 

O que nos chama atenção para esse combinado antinacional e antissocial é a visibilidade de sua crueza. Cito dois casos no campo do aparelho de Justiça. O juiz Alex Costa de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que ordenou com todo o império: “Autorizo expressamente que a Polícia Militar (PM) utilize meio de restrição à habitabilidade do imóvel, tal como, suspenda o corte do fornecimento de água; energia e gás (…) restrinja o acesso de terceiro, em especial parentes e conhecidos dos ocupantes. Autorizo, ainda, o uso de instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono”. O bacharelismo é uma praga da formação social brasileira tão terrível que nos afoga pela arrogância, brutalidade e banalidade ao decidir torturar estudantes. Esse mesmo bacharelismo na época do Império legalizou a escravidão e decidiu que o escravo não podia ser considerado humano, mas semovente. Como torturador é um bom juiz.

Por último, Fábio Moraes de Aragão, procurador do Ministério Público Federal “recomendou” que a direção do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro retirasse cartazes com “Fora Temer”, pois, caso contrário, seriam processados por improbidade administrativa. A alegação é que “Considerando que a doutrinação política e ideológica de alunos atenta contra a integridade intelectual de crianças e adolescentes, que pela fragilidade etária e subordinação hierárquica se encontram em situação de vulnerabilidade, tornando-se reféns de determinadas agendas partidárias”. O procurador quer anular a política pela retirada de faixas de protesto, mas a maior aberração  subestimando a maturidade dos estudantes é pensar que só existe política partidária. Como cientista político é um bom procurador.

Os estudantes que ocupam escolas e universidades em todo o país precisarão também ocupar os espaços profissionais e políticos, colocando para escanteio esses capatazes modernos e retomando a democracia como prática e valor.

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