Jhonatan Almada, historiador
A crise de
representação política do Congresso Nacional, tornando-o descolado da maioria
que o elegeu e subserviente à minoria que o financiou atingiu o mais alto grau
de comprometimento do sistema político brasileiro com a abertura do processo de
impeachment. Esse ato alimentado pelo ressentimento e desforra do presidente da
Câmara dos Deputados Eduardo Cunha colocará no poder o PMDB que sempre aceitou
ser o bastião de qualquer governabilidade, ao mesmo tempo, trará de volta ao
lume do Planalto, o DEM e o PSDB, jejunos de mais de uma década.
O curioso nesse
processo todo denunciado internacionalmente como golpe, mas omitido pelos
próprios golpistas e a mídia, representa a volta dos quadros que estavam no
comando do país nos anos 1980 e 1990 para implementar a mesma receita daquele
tempo. Cortes nos gastos, concessões e privatizações darão o tom nos próximos
meses, entretanto os novos sócios do PMDB, DEM e PSDB não estão concordando com
todo o pacote que virá. Ora, justamente eles que estavam no governo junto com o
PT, impediram, boicotaram ou alteraram as medidas relativas ao ajuste fiscal.
Isso significa que, se
confirmado o afastamento da Presidente Dilma pelo Senado e assunção do vice
Michel Temer ainda teremos meses de paralisia e dificuldades por parte de um
governo ilegítimo nascido com a mácula de um golpe parlamentar. Não resta
dúvida quanto à inabilidade do PT em governar o país no segundo mandato de
Dilma, também não resta dúvida o quanto à esquerda pagará por essa inabilidade.
Raymundo Faoro dizia
que a profecia só funciona com o retrospecto. Arrisco a dizer que o PT
dificilmente voltará ao poder nos próximos 10 anos, nem mesmo com Lula ou como
sócio minoritário de outra candidatura. Isso não quer dizer que o PSDB irá
vencer a próxima eleição presidencial com facilidade, existem e existirão
alternativas. O fundamental é separar desse jogo, o legado positivo como
conquista histórica dos setores sociais excluídos. Não se pode perder esse
legado.
Concordo com Guilherme
Boulos ao afirmar que a esquerda deixou de fazer o trabalho de base junto a
sociedade. Abandonamos o trabalho de formação política e mobilização social em
prol de um projeto societário democrático, inclusivo e justo. Esse abandono
jogou parcela da juventude nas mãos de setores conservadores limitadíssimos
quanto à formação, não conseguem ir além das palavras de ordem. É só comparar o
desempenho de Kim Kataguri no debate com Carina Vitral. Nós temos condições de
fazer esse combate pelos corações e mentes, sem dúvida. Precisamos retomá-lo.
As dúvidas que pairam
sobre a conjuntura política são inúmeras. Existem dúvidas provincianas que antecipam
cenário de perseguição e boicote ao Governo do Maranhão em face do papel de
liderança nacional do governador Flávio Dino denunciando o caráter golpista do
impeachment. Existem dúvidas quanto à permanência dos programas sociais
gestados pelos governos do PT. Existem dúvidas quanto à manutenção dos direitos
trabalhistas e previdenciários. Existem dúvidas quanto à sobrevivência das
Universidades e Institutos Federais com a volta do arrocho de custeio. Existem
dúvidas quanto a permanência de empresas estatais e órgãos públicos com as
ameaças de redução, privatização ou extinção. Não faltam dúvidas nos próximos
meses.
Apesar delas, fica
muito claro que na hora derradeira cada um está salvando suas bases e isso
poderá ter um efeito inverso daquilo que se espera. Já vi essa pressa dos
últimos dias, assina-se em dias o que estava pendente, libera-se o que estava
represado, resolve-se e acelera-se. O efeito inverso será despertar e tornar
mais convicta no futuro governo golpista a necessidade de revisar ou sustar
todos os atos desses últimos dias. Por isso, não adianta ter pressa, aquilo que
não foi feito em 1 ano, não o será em 1 semana. É ingênua essa linha de ação,
ainda que óbvia, até necessária.
O que não deixa
dúvidas é que como Darcy Ribeiro disse, não quero estar do lado dos que
vencerem, se forem esses que vencerem. Não tenham dúvidas que enfrentarão algo
muito pior do que narrativa histórica condenatória, despertarão algo muito mais
perigoso, vide a situação do Iraque onde o povo invadiu o Parlamento corrupto e
inepto. Fazer o que estão fazendo não será um passeio no parque, mas o
preâmbulo de uma guerra de guerrilhas com longa duração.
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