Pular para o conteúdo principal

A AGÔNICA CRISE BRASILEIRA



Jhonatan Almada, historiador, escreve às sextas-feiras no Jornal Pequeno

Chegamos a uma quadra muito complexa na história política brasileira. Aqueles que perderam as eleições de 2014 buscaram construir três caminhos de desestabilização e reversão do resultado. O primeiro é o do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), velho e histórico instrumento de fraude da soberania popular, sob o disfarce da tecnicalidade legal. O segundo é o do Tribunal de Contas da União (TCU), formado por ex-deputados e ex-senadores, não tão transparentes, mas sempre muito dispostos à pose de vestais. O terceiro é o do Congresso Nacional, cúpido por cargos, cioso de poder e invejável bastião do que há de mais atrasado na sociedade brasileira, contraditoriamente, também o que há de mais avançado. 

Essas três instituições funcionam em uníssono para derrubar o governo da Presidente Dilma, freando ou acelerando conforme a conjuntura política e econômica. Em tempos democráticos não é mais necessário pôr os tanques e militares na rua para se derrubar um Presidente, basta que uma parcela das instituições compre a causa e que esta causa encontre solo fértil para germinar em um ambiente de crise e impopularidade avassaladores.

A nossa cultura política sustenta impávidos acusados de corrupção, processados, condenados, réus confessos, criminosos contumazes nos principais cargos da República. Todos impassíveis ante acusações. Desfilam nas câmeras de televisão como príncipes ou reis tendo que aturar uma fachada democrática. Vez em quando são incomodados pelos plebeus, mas nada, nada mesmo, os demove de suas posições de poder. 

A descontinuidade administrativa é a prima irmã dessa crise. Quando o governo cede espaço na reforma ministerial não é uma troca de cadeiras e cabeças como quer nos fazer crer a pobríssima mídia refém do imediato. Muda também o direcionamento estratégico das pastas e áreas importantes para o desenvolvimento do país. O caso mais flagrante está no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o qual deveria ser instrumento central de superação da crise pela força criativa do conhecimento e da ciência. Os próximos meses poderão materializar retrocessos com impactos e desdobramentos de décadas, aí não recuaremos somente no tamanho do PIB, mas na possibilidade de termos soberania. 

A nossa cultura política comporta a transparência seletiva. Algumas coisas devem ser transparentes outras não. Até a data de hoje somente o Governo Federal divulga os salários de todos os servidores públicos do executivo. Desconheço qualquer outra esfera de governo que tenha copiado essa boa prática. Aqui no Maranhão, um grupo foi preso por fazer desvios na folha de pagamento do Tribunal de Justiça, inacessível para a maioria dos mortais. Na mesma linha, ainda não sabemos como é gasto o salário-educação, quem, com o que e de que forma, irrespondidos, acabam por criar uma caixa-preta. Entretanto, acredito que essas reminiscências um dia acabarão.

Também praticamos o corte seletivo preservando o desperdício pulverizado. A área de telefonia e tecnologia da informação é tratada de duas formas: uma centralização engessada e que não funciona ou uma fragmentação equivocada que funciona de forma parcial, mas é excessivamente cara. Somente o estado do Ceará conseguiu em um momento de fartura canalizar investimentos para criar sua rede de fibra óptica e hoje tem na internet de alta velocidade uma vantagem competitiva difícil de bater. 

Outro achado nacional é a nossa burocracia do planejamento. Sempre em época de elaboração do Plano Plurianual empurram suas concepções goela abaixo daqueles que representam a vontade popular. O grande equívoco dessa burocracia é acreditar que pode pensar pelo povo e como povo. O mais grave ainda é que esse pensar cerebrino e descarnado de real, no apagar dos prazos, sobrepuja as diretrizes estratégicas daqueles que foram legitimados pelo povo nas urnas e no seu programa de governo. Lamentável.

Por fim e não menos grave, passou despercebida a criação da Comissão Especial de Reforma do Estado por decreto da Presidente da República. Isso depois do malogro da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade de 2011. Desde o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado do ministro Bresser-Pereira ninguém se pronunciou com visão de longo prazo sobre essa questão. Tenho dúvidas se criar comissão realmente resolve algum problema no Brasil.

É difícil identificar o caminho para onde estamos sendo arrastados pela inconsequência, impaciência e incapacidade. Estamos reféns de uma conjuntura que se prolonga agônica. Cito Nauro Machado, primeiro poeta a receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Maranhão (UFMA):

“Ó desejo para fora
a romper-nos desde o dentro!
Ah, sairmos do nosso centro
para sempre e desde agora!”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,...

Jackson Lago - uma biografia para o nosso tempo

JACKSON LAGO uma biografia para o nosso tempo [1] O Grupo Escolar Oscar Galvão e o Colégio Professor Vidigal ainda estão lá, em Pedreiras, como testemunhas vivas a guardar memórias desse maranhense exemplar aí nascido em 01/11/1934. Estruturava-se, então, uma rara vocação de serviço e servidor público, sua marca indelével por toda a vida. De Pedreiras a São Luís, onde freqüentou o prestigiado Colégio Maristas, Jackson Lago foi amadurecendo, mesmo que adolescente, sua aprendizagem de mundo e seu convívio humano e cultural com a admirada Atenas Brasileira. Vocacionado a servir e a salvar vidas, formou-se médico cirurgião na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, aprimorando-se também na residência médica do Departamento de Doenças Pulmonares da Policlínica Geral da Cidade do Rio, então Capital político-administrativa e cultural do Brasil. Com a alma encharcada de chão das vivências da saga do arroz e d...

Escolas de mostrar

Observando os indicadores educacionais brasileiros nos últimos anos percebo avanços e percalços. Tenho falado deles por aqui. Há uma jabuticaba educacional que surgiu e cresceu: militarização de escolas públicas . Já dissemos que é inconstitucional e sem previsão na LDB. Governantes insistem nisso como se estivesse tudo bem. O que estão fazendo na verdade é criando uma diferenciação na própria rede escolar, marcando as desigualdades como ferro de boi. A maioria expressiva das escolas segue levando as coisas como podem e do jeito que dá. Há uma esperança no julgamento do Supremo Tribunal Federal quanto ao programa de escolas cívico-militares do Paraná. As famílias queriam e querem escola pública de qualidade. Ora, mas isso nunca foi oferecido pelo Estado para a maioria da população. Darcy Ribeiro dizia que o povo não sabia pedir uma boa escola por nunca ter visto como é uma. Parte da nossa memória foi construída pela filmografia americana de escolas, o chamado padrão platoon. No...