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PRESERVAR A MEMÓRIA DO FEITO E SUPERAR O ESPANTO


Jhonatan Almada, historiador e primeiro secretário do Instituto Jackson Lago

Todos os dias, íamos, eu e dois amigos, acompanhar o processo de cassação de Dr. Jackson no Acampamento Balaiada montado em frente ao Palácio dos Leões. Íamos após o expediente de trabalho. Não imaginávamos que eram os últimos dias de um governo com tantas realizações e muito mais a caminho. Recebi de forma impactante a notícia da cassação. Pesaroso, me despedi dos colegas de trabalho no Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (Imesc) e na Secretaria de Planejamento (Seplan). Fui arrebatado pelas lágrimas, pela frustração. O que poderia ter sido, não pôde ser. Imperou o arbítrio do grupo político dominante, liderado pelo senador José Sarney, há meio século.

Foi doloroso ver todo um trabalho ser achincalhado diariamente pela mídia do grupo e ao mesmo tempo, ver esse mesmo trabalho, ser apropriado, desvirtuado e apresentado como algo deles. Dia, 17 de abril de 2013, quatro anos depois, recordei tudo isso sob uma forte comoção pessoal que me fez adiar a escrita desse artigo várias vezes. Reli o Soneto da Separação, de Vinicius de Moraes: “De repente do riso fez-se o pranto. Silencioso e branco como a bruma. E das bocas unidas fez-se a espuma. E das mãos espalmadas fez-se o espanto”. 

Assim, permitam-me um depoimento pessoal, uma pequena catarse. Nos anos posteriores ao golpe judiciário escrevi artigos, acompanhei Dr. Jackson ao interior, participei da sua última campanha eleitoral no ano de 2010 e contribui com a fundação do Instituto que leva seu nome. Fui mais um a unir-se aos companheiros e companheiras de jornada do Dr. Jackson. Abrimos esses caminhos para não deixar que o pranto derramado apagasse a chama. Abrimos esses caminhos para preservar a memória histórica do feito e superar o espanto. O bom desses caminhos é que eles nunca foram solitários.

Escrevendo inúmeros artigos nos quais denunciava a prática contraditória do Governo Roseana, tentamos quebrar o silêncio. Diziam que o Governo Jackson nada fez, mas se apropriavam das ações, dos projetos e dos programas que lhes interessavam. Em alguns mudavam apenas o nome. Noutros mudavam tudo. Outros abandonavam. Apresentaram os investimentos privados como se tivesse sido deles o trabalho de articulá-los. Abandonaram os hospitais regionais de alta complexidade para criarem hospitais de urgência e emergência de forma pulverizada. Logo em seguida, retomaram a ideia dos hospitais regionais exibindo-a como uma novidade. Utilizaram o endividamento massivo do Estado como dupla estratégia de poder: a) garantia dos recursos necessários para comprarem a continuidade no poder ou b) garantia de inviabilizarem um eventual governo de oposição.

Acompanhando a comitiva de Dr. Jackson nas viagens que fez ao interior do Maranhão para explicar à população, prestar contas do que seu governo fez, constatamos o quanto a comunicação direta com o cidadão e a cidadã dos municípios maranhenses é dificultada, quase impossibilitada. Nenhum outro meio substitui com eficácia o diálogo face a face. Fiquei responsável por apresentar os fundamentos do planejamento governamental, dizer que a regionalização do desenvolvimento, a descentralização dos investimentos, o fortalecimento dos municípios, a democratização do Estado, foram os princípios norteadores e as práticas concretas do Governo Jackson.

Participei da elaboração do Plano de Governo para sua campanha de governador nas eleições de 2010. Pensávamos que era fundamental retomar o que tinha sido feito durante o Governo (2007-2009) e aprofundar as transformações propostas e em curso. “Democracia, prosperidade e desenvolvimento” foi a consigna escolhida, os princípios norteadores que orientaram e fundamentaram a construção daquele documento.

Não estive durante o enterro de Dr. Jackson. Estava morando em Fortaleza com minha companheira. Quando retorno, em junho de 2011, a convite de Aziz Santos e Raimundo Palhano, juntamente com Sandra Torres, Léo Costa, Eurídice Vidigal, dentre outros, começamos a nos reunir semanalmente e a defender a ideia de que a memória do Governo Jackson tinha que ser preservada e divulgada. Isso foi amadurecendo. Os planos iniciais foram se expandindo, se aperfeiçoando. Os familiares de Dr. Jackson vinham pensando na criação de um memorial. Os pensamentos convergiram. Dra. Clay Lago assumiu a liderança desse processo. Nascia o Instituto Jackson Lago.

O golpe judiciário do dia 17 de abril de 2009 foi o ponto de partida. Cada um e cada uma adotou a reação que lhe pareceu mais adequada. Uns se atiraram na disputa pelo poder partidário. Outros erigiram novas lideranças políticas e novos espaços institucionais na oposição. Alguns aderiram ao grupo político dominante. Outros culparam o próprio Governo pela cassação. Lideranças expressivas morreram.

Nós, optamos pelo Instituto Jackson Lago e nele lapidamos em mármore. Com esperança calcada em certeza e solidez, releio Pablo Neruda: “Cresceu como uma fortaleza. Nasceu do sangue agredido. Amontoou seus cabelos como um pequeno puma vermelho e os olhos de pedra dura brilhavam desde a matéria como fulgores implacáveis saídos da caça”.

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