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Neruda no meu coração


NERUDA NO MEU CORAÇÃO

Jhonatan Almada, 
historiador e primeiro secretário do Instituto Jackson Lago

Meu primeiro contato com o poeta Pablo Neruda (1904-1973) foi por meio de um curto trecho dos seus mais conhecidos versos: “Puedo escribir los versos más tristes esta noche”. Encontrei-o perdido nessas revistas de literatura que se compram em bancas. A força desse trecho foi suficiente para instigar-me a conhecê-lo e conhecendo-o, admirá-lo.

Meu outro encontro com o poeta ocorreu quando ganhei de presente um livro de minha madrinha, Marieta. O livro “Estrela da Vida Inteira” compila a produção poética de Manuel Bandeira. Quase no meio do livro, está lá “No vosso e em meu coração”, rememorando o grito do poeta contra o franquismo, a opressão e a traição. Altamente exclamava um poeta pela voz do outro: “A Espanha de Franco, não!”.

A vida inteira, Pablo Neruda manteve sua coerência intelectual e política em defesa das classes excluídas, dos menos favorecidos, dos esquecidos pela história, da paz, da liberdade, da justiça, da igualdade efetiva. Essas palavras não são meras, mas em cada uma, empenhou sua carne, sangue, alma e vida. Perseguido politicamente no Chile, onde nasceu, passou boa parcela de sua existência no exílio, reconhecido, laureado, distinguido e premiado internacionalmente.

Curioso como os vencedores ainda escrevem a história. A premiação sempre referida quando se fala do poeta é o Prêmio Nobel de Literatura (1971). Omite-se o Prêmio Lênin da Paz (1971), prêmio equivalente ao Prêmio Nobel da Paz. Era concedido pela União Soviética, até sua dissolução nos anos de 1990. Ignora-se que foi no antigo bloco socialista que o poeta recebeu maior guarida. O bloco capitalista, sob a liderança dos Estados Unidos, estava ocupado implantando ditaduras em todos os continentes, especialmente na América Latina.

O poeta não privou a fortuna de Gonçalves Dias. Não foi amado por sua terra apenas quando morto. Entretanto, Pablo Neruda tinha consciência das pedras do seu caminho, chegou a antevê-las em meio. No seu livro “Cem Sonetos de Amor e uma canção desesperada”, Neruda nos lembra dos “pobres poetas a quem a vida e a morte perseguiram com a mesma tenacidade sombria e logo são cobertos por impassível pompa, entregues ao rito e ao dente funerário”. Falava de si e de tantos, certamente, não de todos.

Nós somos nominados ao nascer. Nossos pais por influências e gostos diversos nos nomeiam. Porém, só quando nos autoatribuímos um nome é que passamos a existir em vida, só quando isso ocorre, passamos de uma identidade dada para uma identidade construída. Isso é uma tradição antiga na história da humanidade, lembremo-nos de Abrão e Saulo, no novo e velho testamento da Bíblia.

Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto nasceu para o mundo, quando se tornou Pablo Neruda. Tantos foram os temas abordados pelo poeta, mas todos poderiam ser sintetizados em um único: o amor em todas as suas formas. O amor às mulheres, o amor aos companheiros, o amor às coisas, o amor à luta, o amor às causas por que se luta. Esse amor transbordante nos banha em toda sua obra, intensa e imensamente, como seu coração.

Reencontrei Neruda, recentemente, por um presente que ganhei de mon amour. O livro “Los versos del capitán”. Este livro foi publicado de forma anônima quando o poeta estava exilado na Itália. Só depois teve sua autoria admitida. É difícil escolher um trecho, tamanha a intensidade que o perpassa. Talvez “Yo te he nombrado reina. Hay más altas que tú, más altas. Hay más puras que tú, más puras. Hay más bellas que tú, más bellas. Pero tú eres la reina”. Quem sabe ainda: “Quítame el pan si quieres, quítame el aire, pero no me quites tu risa”. Para finalizar “Ámame, tú, sonríeme, ayúdame a ser bueno”, pois “será dura la lucha, la vida será dura, pero vendrás conmigo”. É improvável alguém recusar navegação assim conduzida.

À memória me vem o encontro mais marcante com Neruda. Seu enterro. Fui transportado até aquele dia 25 de setembro de 1973, pelo documentário “Utopia e Barbárie”, de Silvio Tendler. Neruda morreu pouco depois do golpe de Estado que derrubou o presidente chileno Salvador Allende, em 11 de setembro do mesmo ano. Aos gritos de “Camarada Pablo Neruda!”. A multidão respondia: “Presente, ahora y siempre!”. Cercadas pelos cães de guarda do ditador Augusto Pinochet, um verso irrompe do coração do povo: “Habitantes de las tierras desoladas: aqui’teneis como un montón de espadas mi corazón dispuesto a la batalla”.

Cortado de saudade e pensando na minha terra há tantas décadas sob uma ditadura igual, grito, querido Pablo Neruda: “Habitantes das terras desoladas: aqui tens como um montão de espadas meu coração disposto para a batalha”. Estás presente, agora e sempre, no meu coração, no coração de todos nós. Que teu verso seja fecundo no Maranhão, Maranhão que lutamos diuturnamente para que seja nosso. Que seja de todos, não mais, de alguns.

Comentários

  1. Execelente, Almada! Letras de uma produzeda encontrada só em Neruda. Metalinguístico teu texto! Parabéns!

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