A PEDAGOGIA DA GREVE
Jhonatan Almada*
A greve é um ato legítimo de todo trabalhador ou trabalhadora. A greve não nasceu de uma regulamentação do Estado capitalista contemporâneo, nasceu da mobilização e organização dos trabalhadores na luta contra as condições precárias de trabalho, remuneração, alimentação, educação, saúde, transporte e moradia, necessidades básicas que mais tarde se tornaram direitos conquistados, ainda que continuem precariamente satisfeitos e permanentemente atacados.
A luta foi contra as condições de trabalho existentes na economia capitalista. A resposta dos donos do capital foi terceirizar a maior parte do problema para o Estado. Este, por sua vez, socializou os custos desses direitos com a maioria que paga os impostos.
No entanto, o Estado não devolve esses impostos em serviços públicos com quantidade-qualidade necessários e suficientes, dado que o fundo público é majoritariamente direcionado para o pagamento dos juros da dívida pública, afora os desvios relacionados à corrupção.
O atual modelo de desenvolvimento capitalista conduzido pelo Governo Dilma é baseado nesse endividamento. Mais à frente, esse modelo cobrará seu preço. Alegarão que o Estado cresceu demais, se endividou demais e por isso, necessita de uma política de austeridade. Dessa forma, esse círculo irracional de endividamento versus austeridade nunca tem fim, por que o sistema econômico continua o mesmo e não há sinais de que mudará no médio prazo. Um adendo, li em uma matéria jornalística local que a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, comemorou o aumento do limite de endividamento do Governo Estadual. Trocando em miúdos, ela comemorou a possibilidade de afundar o Maranhão em dívidas, como já o fez nos seus dois mandatos anteriores.
A mentalidade jurídico-bacharelesca brasileira, analisada argutamente pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, no livro Raízes do Brasil, continua predominante no modo de agir da elite dirigente nacional. Todos os problemas brasileiros são apresentados como falta de legislação adequada, equívocos da legislação existente ou inexistência de legislação.
Por esse raciocínio, bastou inscrever na Constituição Federal de 1988 que são direitos sociais (Art. 6º), a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Pronto, todos gozam desses direitos. Claro, mais no sentido humorístico que no sentido da fruição efetiva.
A ideia de regulamentar a greve dos servidores públicos é um dos mais recentes frutos dessa mentalidade e o alvo principal é a greve das Universidades Federais. Se greve fosse uma coisa regulamentada por lei, então para que fazer greve? Imaginemos, seria bem interessante. Escreveriam no artigo 1º - Todos os servidores públicos podem fazer greve, desde que não comprometam o atendimento dos usuários (cidadãos?). Claro, façam greve, desde que continuem trabalhando.
Também na mesma lei, escreveriam no artigo 2º - As greves só podem ocorrer nos meses de janeiro, fevereiro, julho e dezembro. Assim, ninguém se importaria mais com as greves nas Universidades federais, por exemplo. Elas ocorreriam no período de férias. Ninguém precisaria mais discutir financiamento da educação superior, autonomia universitária, plano de carreira, democratização das instâncias decisórias, eleições diretas para reitor. Resolvido o problema.
No artigo 3º dessa lei imaginária, estaria escrito – Todos os servidores que fizerem greve perdem a estabilidade. Agora sim, o mundo ideal para elite dirigente e boa parcela da mídia hegemônica. A solução para as greves é acabar com a estabilidade funcional, “igualando-os” com os trabalhadores da iniciativa privada. Desse modo, na greve seguinte, todos os grevistas reincidentes seriam demitidos. É o fim das greves.
A greve é um ato legítimo do trabalhador e da trabalhadora, entretanto, ainda não se constituiu em um ato pedagógico, em dois sentidos. Ainda não é um ato pedagógico para os próprios trabalhadores, poucos permanecem mobilizados e engajados, a opção de alguns é tratar a greve como férias remuneradas, a de outros, a indiferença. A greve deveria se constituir em um espaço de formação dos próprios trabalhadores, onde os grandes temas de interesse, além da questão essencial, seriam tratados de forma didática. O programa de formação poderia abranger o financiamento da educação superior, a contratualização, o produtivismo, a volta do modelo escolões no Norte/Nordeste versus centros de excelência em pesquisa no Centro Sul, dentre outros assuntos.
A greve ainda não é um ato pedagógico para os estudantes e a sociedade que efetivamente usufrui dos serviços públicos. Os estudantes são despachados para casa, curtindo férias fora de período. As famílias são bombardeadas pela mídia hegemônica e tem sua opinião antigreve formada por esses meios de comunicação. A greve deveria se constituir em grandes aulas públicas abertas às mídias não-hegemônicas, aos estudantes e às famílias, abordando a importância da luta em defesa dos direitos dos trabalhadores, a história dos movimentos sociais, o financiamento da educação, dentre outros temas.
Talvez, com essa pedagogia da greve, ganhássemos aliados importantes, somássemos novas forças sociais em apoio ao movimento de luta, mesmo que não conseguíssemos “sensibilizar” a chamada opinião pública e o próprio Governo.
*Jhonatan Almada é historiador, primeiro secretário do Instituto Jackson Lago e secretário executivo da seção estadual da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae)
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