Jhonatan Almada, historiador
O espetáculo de pobreza
política da maioria dos deputados federais no domingo entrará para a história
não pelo que noticiam a mídia golpista e naturalizadora do golpe. Entrarão para
a história como a maioria mais fisiológica, despreparada, fanática, hipócrita e
fascista de todas as legislaturas da Câmara dos Deputados pós-1988. Exceções
existem, mas, lamentavelmente, são uma minoria. Dignos, mas minoria. Foram
parlamentares como Wadih Damous, Ivan Valente, Jean Wyllys, Chico Alencar, Rubens Pereira
Junior, Jandira Feghali e Luciana Santos que honraram a função ante Jair
Bolsonaro, Paulinho da Força, Eduardo Cunha, Pauderney Avelino e tantos
anônimos em seus únicos cinco minutos de fama.
Em tempos de redes
sociais a mídia brasileira nunca foi tão confrontada na sua capacidade de
desinformar, manipular e escamotear a realidade. Como o jornalista Gerson
Camarotti gosta de dizer, constroem narrativas. Esse jornalismo reduz a complexidade
do real ao discurso. O único profissional que não se curvou aos donos das
Organizações Globo foi o jornalista Sidney Rezende, logo demitido. A cultura da
subserviência é uma marca forte de país escravista. O que vemos é um esforço
enorme por parte da oposição e da mídia para construir “narrativa” que nos faça
cegos e surdos ao que ocorreu no domingo e ao óbvio Golpe de Estado via
parlamentar. Surge um partido acima dos partidos, qualquer nome que se queira
dar, invariavelmente terminará em Cunha, é dele o partido ou de quem conseguir
fazer o mesmo que ele.
O país está refém de um
gângster anistiado pela mídia e protegido pela lentidão das instituições e por
todos os meios possíveis pela maioria que controla na Câmara dos Deputados. Em
geral pela falha de nossa educação básica pública e ausência de controle sobre
o currículo da educação básica privada, formamos toda uma geração ignorante
quanto ao passado recente do Brasil. Não se revoltam com a Ditadura de 1964.
Não se indignam com as torturas e mortes dessa ditadura. Não se importam com
torturadores receberem homenagens. Sequer sabem quem são. A universalização do
ensino fundamental na década de 1990 sem qualquer preocupação com qualidade nos
leva ao fracasso político de boa parte de nossa juventude.
Confesso que é chocante
ver avançar esse golpe parlamentar quando neste espaço já havia comentado que o
ciclo progressista da América Latina estava sendo implodido, seja via golpes
parlamentares (Paraguai) ou militares (Honduras), e eleições midiatizadas
(Argentina). Há uma conjugação de interesses. Por um lado, os grandes
capitalistas internacionais em busca de ampliar seus ganhos com a rolagem da
dívida pública e seus generosos juros. Por outro, a elite política e econômica
açoitada por investigações que desnudaram suas intrincadas relações, a gota da água
que faltava para não mais pactuarem com o governo do PT. No fundo, o golpe
parlamentar em andamento no Brasil visa repor as coisas no lugar de sempre.
Quais as consequências do
Senado Federal aprovar o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff? Em primeiro
lugar, tornam crime aquilo que nunca foi e nem sabem explicar o porquê. Ao
inventarem o termo “pedaladas fiscais” para desmoralizar procedimento comum das
administrações públicas quando estas possuem bancos estatais. Aos incautos
quero lembrar que antes da independência e durante esse processo, o próprio
Banco do Brasil quebrou duas vezes ao ver seus depósitos sacados pela família. Situação
totalmente diferente dos tempos atuais quando isso ocorre somente em caso de
frustração de receitas e logo depois esse recurso é devolvido ao banco.
Em segundo lugar,
autorizam que as maiorias insatisfeitas da Câmara dos Deputados possam derrubar
qualquer governo como se nosso regime fosse parlamentarista. Basta não atender as
demandas fisiológicas por cargos e dinheiros. Se a partir de agora o Presidente
tem a obrigação de atender, então temos a falência da possibilidade de uma
agenda e um projeto nacional que estabeleça nossas prioridades e o horizonte
que queremos alcançar. Decreta-se o fim do planejamento das políticas públicas
e sucumbe-se a agenda imediatista dos deputados federais.
Em terceiro lugar,
encoraja-se que vice-presidentes eleitos daqui por diante conspirem contra o
presidente em caso de crise política e econômica, sobretudo quando combinada
com apoio midiático massivo e financiamento de parte da elite nacional. A mensagem
que passa é: todos poderão assumir a Presidência da República se souberem
combinar os fatores de crise e a oportunidade política. Fragiliza-se a figura
do vice-presidente e cinde-se novamente as eleições de ambos, pois será
impossível que o Presidente não olhe seu vice nessa perspectiva mesmo
integrando uma única chapa. Voltamos ao período em que as eleições de
presidente e vice eram separadas.
Em quarto lugar, todas as
vezes que instituições como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal
alcançarem os figurões do PMDB envolvidos com corrupção e em posições de poder,
esses mesmos envolvidos estão autorizados a depor o governo se for preciso.
Impõem-se um limite invisível às investigações, nenhuma delas pode atingi-los.
O mesmo vale para o PSDB. Os únicos políticos que podem ser envolvidos e
atingidos por investigações são os de esquerda, sobretudo os que sobreviverem à
essa crise e estiverem no PT. Criamos a justiça com um olho aberto e dirigido a
único campo.
No fundo, os
problemas estruturantes da crise que vivemos não foram enfrentados pelos
governos do PT e nem os serão por PMDB e PSDB. Um deles é a questão dos juros
da dívida pública que consomem anualmente nossas riquezas. O segundo deles é
nossa inserção produtiva no mundo, altamente dependente da exportação de
matérias-primas e alimentos. O terceiro é a impunidade dos poderosos, não nos
enganemos com esses espetáculos midiáticos das operações da Polícia Federal. Eduardo
Cunha e Paulo Maluf continuam lá, incólumes.
Acredito que só o fato de Cunha continuar na Presidência da Câmara já seria suficiente para anular todos os atos por ele presidido até então...
ResponderExcluirUm texto coerente e que eu entendo e comungo da mesma opinião.
ps. Carinho respeito e abraço