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Precisamos da escola integral como conquista civilizatória


Entrevista feita pelo jornalista e professor Marcos Fábio. Publicada originalmente no portal Região Tocantina e republicada no jornal O Progresso.

Região Tocantina – Qual é o papel da educação em uma sociedade?

Jhonatan Almada – A educação serve essencialmente a dois propósitos, nos humaniza e contribui para o desenvolvimento da Nação, está pautada pela relação dialética indivíduo-coletividade. Humaniza no sentido de ajudar na construção da nossa identidade e inserir-nos na cultura e história do povo e do mundo ao qual pertencemos. Contribui para o desenvolvimento quando está sintonizada com os tempos da sociedade, suas necessidades, demandas e problemas. Ajuda a levar para frente o processo civilizatório, materializando o “ser mais” a que todos nós temos direito, trazendo progresso científico-tecnológico, formando gerações mais preparadas que as precedentes, produzindo sociedades mais justas e menos desiguais.

Região Tocantina – O Brasil tem compromisso com uma educação libertadora?

Jhonatan Almada – Se pensarmos a partir da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a resposta seria sim. Como o Brasil é um país-continente, as escalas e as práticas concretas são mais importantes. No âmbito central, a educação pública hoje é entendida em um sentido ultraconservador, como educar para garantir o estado atual de coisas, muito mais pela negação dos avanços que conquistamos nas últimas décadas, retrocessos visíveis no campo da inclusão, identidade e diversidade. É claro que isso exerce influência no âmbito regional e local, até pela força do Estado em nossa sociedade e o alto grau de dependência engendrada por este, bem longe do sentido emancipador. Contudo, no local é possível identificar projetos de educação libertadora, alguns com décadas de funcionamento e ainda pouco conhecidos, flutuando na conjuntura entre fortalezas e fraquezas, mas presentes e potentes. É preciso dar visibilidade a esses tesouros escondidos. 

Região Tocantina – Quando se pensa em educação libertadora, pensa-se logo em Paulo Freire. Qual é o real papel deste pensador para a educação?

Jhonatan Almada – Paulo Freire é conhecido e reconhecido internacionalmente por sua contribuição na área de educação. É o patrono da educação brasileira e o cerne de sua contribuição está na alfabetização de jovens e adultos, contudo a filosofia da educação dele derivada se estendeu para diferentes campos. Ele nos ajuda a entender a educação como instrumento de libertação, humanização, conscientização e mobilização, sobretudo dos oprimidos, dos vencidos, dos excluídos. Seu pensamento e prática são imbricados e têm compromisso social muito bem definido e declarado. A pergunta, a autonomia, a esperança e a indignação formam sua pedagogia, fazendo-a contemporânea em um mundo que permanece injusto, desigual e excludente. Paulo Freire é e será “sempre velho de mil anos e sempre menino que nasce”, como cantou o poeta Bandeira Tribuzi.

Região Tocantina – E, além de Freire, há outros pensadores de uma educação libertadora no Brasil?

Jhonatan Almada – Anísio Teixeira por sua defesa da escola pública com contribuições concretas por onde passou, especialmente no campo da educação integral, como nas experiências da Bahia, Rio de Janeiro e Brasília. Este intelectual se apresentava como livre pensador, no que muito me identifico. Anísio defendia que a escola de jornada completa (mínimo de 7 horas por dia) com concepção pedagógica integral dos países de capitalismo avançado pudesse chegar ao Brasil, sobretudo às crianças das classes desfavorecidas. Ele enxergava a educação como instrumento de construção da democracia. Darcy Ribeiro com o apoio de Leonel Brizola colocou em prática essas ideias, reformuladas e atualizadas. Daí surgiu a experiência dos Centros Integrados de Educação Pública no Rio Janeiro, até o momento a melhor experiência de educação integral em escala da nossa história.

Região Tocantina –  O Maranhão tem feito o dever de casa no que diz respeito a uma educação realmente libertadora?

Jhonatan Almada – Nosso passivo é muito grande, é enorme a dívida social do Maranhão. Os governos democráticos eleitos fora do ciclo oligárquico contribuíram bastante, por exemplo, o Governo Jackson Lago foi o único que conseguiu superar as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica-IDEB até hoje; o Governo Flávio Dino avançou muito na agenda da infraestrutura escolar e trouxe inovações fundamentais como a criação do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IEMA. Agora o que precisamos é avançar na agenda da qualidade, sem descuidar das necessárias condições de trabalho nas escolas. Apesar de todos os esforços, o Maranhão chega ao final dessa segunda década do século XXI com 98% dos seus estudantes sem saber matemática quando concluem o ensino médio e 77% das escolas estaduais sem internet banda larga. É preciso ter humildade para reconhecer erros, generosidade para acolher os acertos e sabedoria para aperfeiçoar e avançar. Compreendo que para fazer a catedral da humanidade, cada um de nós precisa assentar o seu tijolo geracional na argamassa do trabalho cumulativo e continuado.  

Região Tocantina –  Na sua visão, o Brasil será capaz de implementar uma educação de fato libertadora?

Jhonatan Almada – Quando o Brasil compreender que nossa prioridade deve ser a educação básica sim, sobretudo a qualidade do ensino fundamental, momento em que mais tempo passamos sob a responsabilidade do Estado e da escola pública. É inacreditável que a qualidade não avance no ensino fundamental, não há articulação nacional persistente e perseverante para enfrentar e superar esse problema. Não faz sentido que nossas crianças e adolescentes continuem frequentando essa escola de turno que não ensina, onde 82% dos estudantes concluem o ensino fundamental sem saber matemática. Precisamos da escola integral como conquista civilizatória e estratégica para o Brasil. Se essa escola chegar aos que mais precisam, uma educação libertadora será possível sim, inscrita no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento. 

Região Tocantina – Uma educação libertadora, em um mundo tão polarizado, é realmente possível?

Jhonatan Almada – Sim, pois enquanto houver injustiça e desigualdade, haverá os que se levantarão em defesa da educação como prática de liberdade. Gerações e gerações têm feito isso ao longo da nossa história, líderes e educadores como Leonel Brizola, Jackson Lago, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, por exemplo. É como o esforço de atravessar com as mãos vigas de madeira, precisa de inteligência e perseverança para conseguir. Testemunhei ao longo dos anos, como estudante, professor e dirigente público, tantas histórias de vida que foram transformadas pela educação, tenho clareza de que é plenamente possível e vale a pena.

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