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BOÊMIOS CÍVICOS PARA O MARANHÃO

Jhonatan Almada, historiador


O professor Marcos Costa Lima (UFPE) organizou o livro “Boêmios Cívicos: a assessoria econômico-política de Vargas (1951-54)”, publicado pelo Centro Internacional Celso Furtado. O trabalho destaca o papel do baiano Rômulo de Almeida, chefe da assessoria, do cearense Jesus Soares Pereira, do paraibano Cleantho de Paiva Leite e do maranhense Ignacio Rangel na construção de instituições estratégicas para o país (BNDES, Petrobrás, Eletrobrás, CNPq, CAPES, BNB, etc) e na produção de planejamento de longo prazo, antes mesmo da existência de Ministério para esse fim.

A expressão “boêmios cívicos” foi atribuída por Getúlio Vargas pelo fato dessa plêiade nordestina pensar e trabalhar pelo Brasil adentrando madrugadas. Contribuir para o desenvolvimento do país era a boemia que deles tomava conta. Penso que nunca foram devidamente valorizados pela intelectualidade nacional, com cariz fortemente centro-sulista e menos ainda pelos seus conterrâneos nordestinos.

Ainda hoje o planejamento estratégico não encontrou acolhida efetiva no seio da elite dirigente do Brasil. A crise da água e a nova crise de energia são provas cabais da ausência de planejamento e da teimosia em investir tudo no curto prazo. Existe inteligência, faltam estadistas como Vargas, capazes de ouvir e dar concretude às ideias daqueles que se preocupam com o pensar grande e para frente. Não adianta existir um Ministério do Planejamento ou uma Secretaria de Assuntos Estratégicos se não conseguem formular e convencer a elite dirigente.

Penso que o formato adotado por Vargas, nem Ministério, nem Secretaria, mas um núcleo de quadros técnico-políticos, quase informal, evidencia maior sucesso aos olhos da história que os atuais formatos institucionais engessados. Certamente não os protege da mira externa, portadores do complexo da hiena Hardy, para quem nada dará certo ou da mira interna, dos aferrados ao desenho tradicional do Estado, onde este ou aquele assunto pertence à determinada pasta.

Um tema estratégico que nunca foi enfrentado pelos Governos anteriores no Maranhão é o do serviço público profissional. Aqui ainda agimos de forma focalizada e com ações de curto prazo, as demandas usuais da educação e da segurança pública tendem a absorver todo o pensamento sobre gestão de pessoas do Estado, e mesmo esse pensamento está desconexo do planejamento de longo prazo e mais ligado às situações emergências de todo ano.

Ao iniciarmos o processo de transição na Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SECTEC), que passará a ser a Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), constatamos o grau de dramaticidade desse desafio: o Estado não possui burocracia profissional e deixou de renovar seus quadros técnicos permanentes em áreas estratégicas.

Isso impõe um óbice insuperável no curto prazo. A Lei Nº 9.664, de 17 de julho de 2012 que dispõe sobre o Plano Geral de Carreiras e Cargos dos Servidores da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo Estadual (PGCE) registra um avanço significativo: a criação das carreiras de Especialista em Gestão Pública e de Analista de Planejamento e Finanças Públicas.

Sentíamos esse problema desde 2008 quando de nossa passagem pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC), ali criamos Comissão que elaborou minuta de projeto de lei instituindo a carreira de Pesquisador e Técnico de Pesquisa do IMESC. Hoje, ao consultar a Lei Nº 9.664 observei que incorporaram nossa minuta sem alterações significativas, aproveitando o trabalho realizado.

Em relação às Secretarias mais antigas ou com corpos funcionais maiores, tais como a de Saúde, Educação, Segurança Pública ou Fazenda esse problema é menor, apesar da área-meio ser sustentada basicamente por comissionados ou servidores em desvio de função da área-fim. Tal fato foi tão naturalizado que muitos confundiram cargo de confiança (temporalidade) com cargo efetivo (permanência), casos notórios emergiram na imprensa recentemente.

Entendo que dar sustentabilidade ao processo de mudança concreto no âmbito do Governo do Estado do Maranhão implicará em abrir concurso público para a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Analista de Planejamento e Finanças Públicas. Esses profissionais seriam distribuídos a partir de cuidadoso estudo de demanda por Secretaria ou órgão vinculado.

O desafio do serviço público profissional se soma a muitos outros que necessitam do devido dimensionamento. Para tanto, fundamental reunir os novos boêmios cívicos que formariam esse núcleo de pensamento de longo prazo para o Maranhão. Essa é uma pauta pertinente que certamente já é objeto de atenção do Governador do Estado em sua luta diária por desenvolvimento e justiça social para todos.

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