Pular para o conteúdo principal

ALÉM DO HORIZONTE, OUTRO MARANHÃO

Jhonatan Almada, historiador e quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Outubro é o mês da esperança renovada. A esperança é rubra. Quem como eu, festejou a vitória de Jackson Lago dia 29 de outubro de 2006, um dos momentos cívicos mais emblemáticos da história do Maranhão, certamente, compreende em profundidade o significado da afirmação. Ainda hoje ouço depoimentos que testemunharam aquele dia como a libertação de um grito preso na garganta, milhares de vozes se soltaram como na canção de Gonzaguinha. Estávamos vivendo a libertação, a qual foi tão brutalmente interrompida dia 17 de abril de 2009 por um golpe pela via judiciária. Sonhos feneceram, realidades foram reinventadas.

Passados cinco anos, a história continuou seu imprevisível curso. Eis que em 2014, uma nova conjuntura política favorece a candidatura do principal líder da oposição em detrimento das candidaturas do grupo dominante local. A estrutura implantada pelo domínio desse grupo deixou pesada herança, cujo preço finalmente lhe foi cobrado. A candidatura da oposição desde a largada da campanha eleitoral liderou em todas as pesquisas eleitorais. Construiu razoável consenso no campo da oposição e unificou os partidos mais importantes no seu apoio, carreando as lideranças mais expressivas. Pela primeira vez, o grupo dominante local se viu acossado por uma candidatura no front jurídico-eleitoral, na mobilização social, redes sociais, articulação política e na verbalização de um projeto político alternativo. Deixaram de pautar e passaram a ser pautados.

Os direitos de resposta dessa candidatura obtidos da justiça eleitoral marcaram como brasa a arrogância da oligarquia liderada pelo senador José Sarney. A corrosão do governo de sua filha Roseana Sarney e a rejeição nacional a esse grupo foram verdadeira argamassa a tapar o sepulcro que cavaram para si. A derrota vindoura consumiu como câncer as entranhas desses podres poderes que se instalaram no aparelho de Estado, cuja voracidade lhes usurpou a sanidade e os escrúpulos. Nunca antes se expuseram e foram expostos como nessa conjuntura de 2014, suas contradições foram desnudadas pela violência dos fatos e pela incapacidade de governar para todos.

Nem mesmo o Parvo no “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente teria feito trabalho similar. Aqueles que tanto pregaram o inferno dos outros, não alcançaram a graça de ninguém para lhes dar crédito pelos ditos e feitos. Ao colocarem as maiorias maranhenses sob a égide da miséria e da dependência dos favores políticos, obrigando-nos a optar entre eles ou a barbárie, acreditaram ter matado nossa esperança. Enganaram-se, a esperança é imortal. A eleição de 2014 tornou-se o julgamento final de suas culpas.

A crermos no Sandman de Neil Gaiman, Desespero é uma senhora de pele fria e pegajosa que olha o mundo por detrás de cada espelho existente. Sua única atitude é autoflagelando-se, observar a agonia devorar a alma dos homens ante um presente desolador e inescapável, assassino do futuro. Desespero, impassível, acompanha os últimos dias da mais longeva oligarquia familiar do Brasil. Diariamente, como castelos de areia, se esboroam. Contudo, agonizar não significa morrer, jamais perderão toda e qualquer oportunidade de voltar ao poder, mesmo que queimem suas próprias almas para isso.

Chamou-me a atenção durante essa campanha eleitoral, o quão empobrecido nosso estado se tornou. Espelho disso são os quadros políticos que se apresentaram; quase todos carregando em suas costas o fardo pesado de seus pais. Incapazes de legar um estado mais desenvolvido estavam explicitamente preocupados com a manutenção dos rendimentos familiares e a defesa dos próprios interesses. Lamentavelmente não temos cultura política suficientemente avançada, no sentido do exercício da cidadania, para vetar a eleição desses políticos. Muitos deles serão eleitos e funcionarão como verdadeiras âncoras a impedir que o navio do estado siga para porto mais próspero.

Tive a satisfação de acompanhar a equipe dos Diálogos pelo Maranhão, semente-movimento da candidatura da oposição liderada por Flávio Dino, pequena contribuição, apesar do desejo de que ela fosse maior. Registro o trabalho da historiadora Lígia Teixeira, a quem acompanhei em alguns municípios do nosso estado. Colhemos subsídios para a elaboração do programa de governo dessa candidatura. Inúmeras reuniões, plenárias e debates seguiram-se até o dia da divulgação do programa, destaco também o trabalho de coordenação de Egberto Magno. O programa saiu antes dos demais candidatos, com qualidade e consistência incomuns. Milhares contribuíram e uma equipe excelente trabalhou de forma intensiva para que a campanha cumprisse com seu objetivo.

O candidato se comprometeu com metas concretas e claras, assumindo o enfrentamento de problemas cruciais do Estado, entre eles, o abastecimento de água, a segurança pública, o acesso à educação técnica e ao ensino superior, o combate à corrupção e o aumento do número de médicos. Não são promessas usuais em tempo quente de política, embaladas em invenções, abstrações e vazios verbais. Na verdade, o programa de governo apresentado é um conjunto de compromissos lastreados em dedicada análise conjuntural e estrutural do Maranhão.

Flávio Dino se manteve firme catalisador da esperança dos maranhenses. Não se pode esquecer que acima ou para além dos cargos e das trajetórias está o humano, cuja completude e verdade se encontram no outro. Essa humanidade é que faz identificar-me, reconhecer-me no outro, confiar e caminhar junto. Não comungo da opinião dos vezeiros da mesmice que entendem não haver nada de novo sob o sol e que todos na política se tornam iguais. Esperanço que Flávio Dino será o Governador do Estado do Maranhão e iniciará o longo trabalho de abrir outro caminho para as gerações vindouras.

Nesse horizonte, nossos filhos crescerão e poderão herdar terra diferente daquela que sobrevivemos hoje. A desigualdade terá se tornado insignificante. A educação será a chave das portas, não mais o sobrenome ou a corrupção. Não nos olharão com pena de ser o estado desta ou daquela família, enxergando-nos como escravos ou servos de alguns. Sairemos para voltar e plantar outros amanhãs, não mais cortar as canas da cachaça cotidiana e perder-se nas balas dos capitães-do-mato deste século. As procissões serão exclusivamente religiosas, não mais em busca de educação ou saúde. O interior se tornará a beleza realizada, não mais a escandalizada dos jornais ou a extraviada nas poeiras das passagens pelos exercícios de caos. O ó não será mais uma marca de sentada no chão, mas a letra nos papéis dos sujeitos da história que escreverão seu tempo. Não seremos somente a terra de Gonçalves Dias ou a Athenas de nunca, mas o lugar em que a ciência e a tecnologia superaram a pobreza e fizeram brotar mentes inventivas e inquietas na construção de um mundo melhor. As casas de taipa ou as palafitas das marés serão peças de exposições, não mais a afirmação frontal da ineficácia das políticas habitacionais e da indiferença dos governantes.

O Maranhão precisa ser passado a limpo, só assim esse futuro augurado poderá concretizar-se. A figura jurídica da “devassa” existente no direito colonial português faz todo o sentido na situação atual. É indispensável que o povo saiba se os atuais governantes exerceram bem suas funções, cumpriram prazos, zelaram pelos recursos públicos, praticaram corrupção, favoreceram grupos determinados, negligenciaram responsabilidades ou utilizaram-se do poder de maneira arbitrária. As contas públicas do atual governo são verdadeiro buraco negro, cujo acesso, auditoria e publicidade representarão o mais alto serviço público prestado ao povo nos últimos 50 anos, a ser editado, publicado e distribuído a todos os maranhenses.

O outro Maranhão que está por se fazer demandará trabalho colossal. Rijos combates. Ignacio Rangel diria que somente bravura e inteligência poderão tornar-nos vencedores. O caminho dessa vitória, passa pela utilização de nossos recursos e pelo desenvolvimento do potencial existente, afirmaria Bandeira Tribuzi. Essa é a opção impositiva. Romper a contradição entre território rico e povo empobrecido será fruto do encontro prático com a realidade, Manoel da Conceição concluiria.

A manhã precisa da noite para ser tecida. A noite do dia 5 de outubro de 2014 estará vestida de esperança viva. O amanhã deixará de ser tão distante. A manhã do dia 6 de outubro de 2014 promete ser de alegria, a alegria que outro caminho nos brinda, sentimento que só a Ode à Alegria de Beethoven pôde captar. Todos os homens e mulheres se irmanarão celebrando a mudança, com beijos e vinho, como o herói diante da vitória e ébrios desse fogo, se abraçarão.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,

Tetsuo Tsuji - um sumurai em terras do Maranhão

Esta semana faleceu meu querido amigo Tetsuo Tsuji (1941-2023), um sumurai em terras maranhotas. Nascido em 13 de julho de 1941 em São Paulo construiu sua carreira lá e no Maranhão. Neste espaço presto minha sincera homenagem. Formado em Administração Pública e Direito pela USP, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-FGV e doutor em Administração pela USP. Tetsuo trabalhou na Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo e foi professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Largou tudo e veio para Maranhão ser empresário na área de agricultura e pesca, formou família. A vida acadêmica volta na Universidade Federal do Maranhão-UFMA onde se tornou professor e reconstruiu carreira. No Maranhão foi pioneiro nos estudos de futuro e planejamento estratégico, contribuindo para o processo de planejamento do desenvolvimento no âmbito do Governo do Estado. É aqui que nos conhecemos, na experiência do Governo Jackson Lago (2007-2009). Tinha uns 2

A escola honesta

a) O que falta na escola pública? 69% não tem bibliotecas 91% não tem laboratório de ciências 70% não tem laboratório de informática 77% não tem sala de leitura 65% não tem quadra de esportes 75% não tem sala de atendimento especial São dados do Censo Escolar de 2022 e que acompanho há mais de 10 anos, afirmo com segurança, pouco ou quase nada mudou. b) E as propostas de solução? - formação continuada - flexibilidade curricular - gestão por resultados - avaliações de aprendizagem - plataformas a distância - internet Darcy Ribeiro finaliza um dos seus livros mais emblemáticos dizendo que nossa tarefa nacional é criar escola honesta para o povo. Quando?