Jhonatan Almada, historiador, integra o quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
A política ainda é a forma mais fundamental que a humanidade inventou
para a conquista do bem comum e a materialização de ideais e ideias. Contudo, a
humanidade é mortal e não temos o controle de nossa existência, alguns se
julgam abençoados por viverem muitos anos, outros, morrem antes de nascer. Eis
aí um mistério profundo e milenar que a humanidade nunca conseguiu desvendar,
entre idas e vindas do sobrenatural ao natural. A despeito disso, de par com a
vida está a morte, inescapável.
O desafio que se impõe é tornar o viver significativo, digno do registro
de nossos pósteros pela contribuição que se possa dar ao bem comum. A morte, a
crer na graphic novel Sandman, de
Neil Gaiman, é uma representação feminina jovem, bela e agradável que nos
visita quando a existência chega ao fim, conduzindo-nos carinhosamente ao outro
lado. Não é um ser esquelético com foice e capuz. Apesar disso, representada ou
não dessa forma, Gaiman não discute em profundidade o quanto a passagem dela
afeta os que ficam. O ponto invisível da costura de sua história.
Nossa visão da morte ainda é como a indesejada das gentes, de Manoel
Bandeira. Sempre temida, jamais querida. É-nos oculto o momento de sua vinda,
talvez e improvavelmente, alguns por artes insondáveis vislumbrem no horizonte
sua hora. Quando ela leva um de nós, aos que ficam, reafirma a certeza de que
virá e nos impõe a continuidade do viver, desafiando um ser mais como dizia
Paulo Freire. Esse desafio de ser mais nos faz honrar a memória daqueles que
partiram, guardando-os pelo melhor que fizeram e foram em vida. Ajuda-nos a
lidar com o vazio que se apresenta imenso tanto quanto mais intensa foi nossa
existência naqueles com os quais caminhamos.
Refletindo sobre o cenário político maranhense, emergem alguns pontos
visíveis da mudança que se avizinha e da decrepitude do grupo dominante local,
cuja morte se anuncia. Entre esses pontos, destaco: a persistência em imputar
ao outro aquilo que mais lhes caracteriza; a tentativa de sobreviver pelos seus
herdeiros; o esforço permanente por escrever a história e inventar a verdade; a
corrupção como marca indelével; a utilização de parte da esquerda como
instrumento de ataque do adversário mais forte e a imposição de uma agenda
defensiva aos adversários.
O grupo dominante pelo tempo que está no poder repete suas estratégias e
ações de combate a qualquer ameaça ao seu poder no Estado do Maranhão,
tornando-as previsíveis. Uma delas, sempre acionada, é fazer crer à opinião
pública que o adversário é corrupto, incorreu em alguma ilegalidade, não é
digno da confiança dos eleitores, mesmo que para isso tenham que fazer dizer o
não-dito. Nunca investigados de forma conclusiva ou punidos judicialmente, as
décadas de denúncias, desvios e enriquecimento ilícito, claríssimos,
fortaleceram sua desfaçatez. O outro é a mesma coisa de mim, parece ser a
mensagem proclamada com sanha erínica. Nunca poderão admitir a existência de
virtude ou ficha limpa no adversário, coisas impensáveis na chafurda que
habitam.
Nada mais lamentável na política do que precisar sustentar-se no
sobrenome de família pela ausência de conteúdo próprio, de história pessoal e
lastro de vida pública. Eduardo Campos (1965-2014) não precisou usar o
sobrenome do avô Miguel Arraes (1916-2005) para se afirmar e firmar na
política. Construiu trajetória própria e singular, assim será lembrado e
figurará na história política brasileira por bastante tempo. Registro aqui meu
respeito, pois Eduardo Campos partiu para se tornar inspiração desta e das
próximas gerações, somando-me a homenagem prestada por Flávio Dino.
Não é o caso de Adriano Sarney (filho de Sarney Filho) ou Andréa Murad
(filha de Ricardo Murad), farsas trágicas de uma oligarquia moralmente
decadente e com quadros envelhecidos sem sabedoria. Sei que a comparação é
dura, ainda que verdadeira; não somos obrigados a aceitar essas cargas
farsescas em nossas costas, carregada pela frase a pairar impunemente: nossos
herdeiros serão eleitos.
José Sarney levou ao pé do ouvido, a lição de Winston Churchill sobre a
história da Segunda Guerra Mundial, a de que a história lhe daria razão “because I shall write the history”, como consta da biografia escrita por Stuart Ball.
Sarney realmente pensa em escrever a história de si e do Maranhão,
diuturnamente, por anos sem conta, mas com intensidade na última década deste
século, se pensa Cloto em seu fiar do destino. Teme não ser retratado como ator
principal da novela de si ou ser transformado em vilão, o livro “Maranhão:
sonhos e realidade” por sua Fundação em 2010 foi o primeiro ensaio
materializador desse objetivo.
Sarney pretende escrever a história e inventar a verdade. Nada o fará
recuar disso, para tanto, conta com seu império midiático, orientado e azeitado
pessoalmente. Recordo uma das raras matérias de qualidade publicadas pela
Revista Veja, a matéria comparava os fatos e as manchetes do jornal O Estado do
Maranhão, mostrando que tal como o pudor da fábula esopiana, a verdade saiu e
nunca mais compareceu àquele jornal.
A mensagem que pretendem impor é a seguinte: a história, nós
escreveremos; a verdade, nós inventamos. O desespero maior é que essa certeza
não sobreviverá ao fim dos seus dias, quando Átropos lhe cortar o fio, tocará a
música de Waldick Soriano com a pergunta destruidora de todas as ilusões
acumuladas: Quem és tu?. Essa será
sua condenação. Os intelectuais da minha geração, somados aos que nos
precederam, tem o dever de desconstruir a história inventada de José Sarney e
reduzir-lhe a estatura merecida de uma verdade outra, jamais silente, apesar
das tentativas.
Não se faz aqui o canto da rasgamortaia (rasga-mortalha), nada seria mais
injusto que a morte de José Sarney antes de ver, dia após dia, a queda de seu
reino e a dispersão dos seus serviçais. É fundamental que permaneça vivo, pois
a punição maior pelo seu enriquecimento familiar em face da pobreza dos
maranhenses será testemunhar o renascimento do Maranhão sob um governo desvinculado
de seu mando e prenhe de invenções e reinvenções.
A corrupção é a marca indelével do domínio do grupo liderado pelo senador
José Sarney, corrupção aberta e sôfrega, escondida ou discreta. Todas as formas
de corrupção são utilizadas no Maranhão, lembrando um pouco a longa
classificação de Padre Antônio Vieira sobre a letra M de Maranhão.
Cito dois exemplos relevantes para dar maior concretude aos argumentos
apresentados. O primeiro relativo ao Jaracati Shopping, onde o senador Sarney possui
uma cota no valor declarado de R$ 1,05 milhão (em 2006, conforme dados do Tribunal
Superior Eleitoral). Ali temos Agência dos Correios, Caixa Econômica Federal e Viva
Cidadão, verdadeiras lojas âncoras do Shopping. Também declarou possuir sete
lotes de terrenos na Ponta D’Areia em São Luís, coincidentemente ali o Governo do
Estado construiu o espigão costeiro que terá impactos positivos na valorização
dos imóveis da área. Em qualquer outro país, esses fatos em si evidenciariam
conflito de interesses entre a administração pública e a expansão do patrimônio
pessoal de um Senador da República e então Presidente do Senado.
O segundo exemplo diz respeito à TV Mirante. A atual governadora Roseana Sarney
possui cotas da empresa no valor declarado de R$ 2,711 milhões (em 2010,
conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral) e os vultosos valores gastos em
comunicação governamental, coincidentemente, veiculadas na referida TV, retransmissora
da Rede Globo.
Corroborando os exemplos apresentados, a historiadora Lígia Teixeira identificou
que a empresa Hytec de propriedade de Luciano Lobão, ter recebido R$ 53,7 milhões
do Governo do Estado do Maranhão (dados do Portal da Transparência). Luciano é irmão
de Edison Lobão Filho, candidato do grupo Sarney ao Governo do Maranhão, cumpre
o mesmo papel que Fernando Sarney desempenha para a família. Em síntese, o
cerne disso tudo é que a corrupção será o legado maior desse grupo político,
escândalos que se somam ao longo dos anos como monturo infinito a se perder no
horizonte da infâmia.
A referida historiadora em análise sobre as eleições de 2014 na capital
aponta que os demais candidatos terão um papel de figuração. Penso que sim, contudo,
devo ressaltar a utilização desses candidatos como instrumento de ataque a
Flávio Dino, o adversário mais forte. Perdidos em análises abstratas,
confundindo o “é” com o “quero que seja”, servirão como uma luva ao papel a
eles designado. Não possuem propostas concretas para o Maranhão, mas sim
reivindicações lastreadas na inexperiência na administração pública e na
ausência do exercício de mandatos, bem como, no discurso de crítica ao Estado,
fundamentado pela sociedade civil local, cujas soluções são tão abstratas que
caberiam em qualquer realidade. Em nenhuma outra ocasião ou por nenhum outro
motivo receberiam a atenção da mídia do grupo dominante e os espaços
disponibilizados.
Por último, um ponto significativo é que o ataque permanente do grupo
político local à oposição, sobretudo ao candidato Flávio Dino, impõe uma agenda
defensiva sem fim. É claro que não se trata de culpa, mas do esforço de
articular respostas a perguntas de ordem retórica, cujo objetivo é enlamear a
reputação e o caráter, bem como, atingir a honra pessoal e familiar do
candidato para daí extrair possíveis dividendos eleitorais. Penso que isso
desvia a inteligência do candidato e da campanha do foco principal, isto é,
apresentar suas ideias ao eleitor maranhense, explicitar o projeto de
desenvolvimento e inovar nas propostas para solucionar os principais problemas
do estado.
Convencer,
acima de tudo, convencer e conquistar o eleitor para a causa da mudança, essa é
a questão. A agenda positiva de campanha precisa se impor sobre a agenda
defensiva, outros poderiam assumir essa tarefa de responder aos ataques,
poupando o candidato e contribuindo para que este se concentre no enorme
desafio de vencer uma eleição no Estado do Maranhão de forma limpa e honesta,
sem o vil metal da corrupção.
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