Jhonatan Almada, historiador, integra o
quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
O ataque ao adversário mais próximo
é uma das mais reiteradas estratégias do grupo liderado pelo Senador José
Sarney. A tese da professora Fátima Gonçalves publicada no livro “A Invenção de
uma Rainha de Espada – reatualizações e embaraços na dinâmica política do
Maranhão Dinástico” (2008) se constitui como a mais abrangente análise dessa e
de outras estratégias acionadas em tempo de política pelo grupo dominante.
Enquanto boa parte dos intelectuais estancou ao compreender o grupo dominante
como oligarquia, enxergar tudo o mais como o surgimento de novas oligarquias ou
rupturas dentro da mesma oligarquia, a análise da referida professora avançou
para além da realizada por Flávio Reis quando publicou o livro “Grupos
Políticos e Estrutura Oligárquica no Maranhão” (2007).
Graças à cartografia do
parentesco social ampliado que constrói chega ao nosso conhecimento que José
Sarney mais que a fina flor nascida na estufa do Palácio dos Leões como dizia
Vitorino Freire, tem vínculos pela linha paterna (Sarney Costa) com um dos mais
longevos oligarcas do século passado Urbano Santos (tio de Sarney Costa), o
qual chegou a exercer a Presidência da República interinamente, tendo sido
Deputado, Governador e Senador pelo Maranhão. Isso é mais um exemplo do peso de
um passado que não quer morrer, não desencarna e ri de nossa inteligência ao
fiar o bigode em biografia questionável e questionada. Nesse sentido, contribuições
como a do jornalista Palmério Dória, no livro “Honoráveis Bandidos” (2009), são
ímpares na história política contemporânea.
Enquanto nós brasileiros, das
pequenas às grandes coisas, temos tal comportamento de desrespeito em relação à
lei e apego ao poder, inúmeros povos e culturas evidenciam o quanto estamos
equivocados e seguindo por uma via dolorosa. Em 2007, o ex-ministro da Coréia
do Sul Lim Sang-gyu se suicidou ao ser investigado por corrupção e
beneficiamento de um empresário. Em 2008, o ministro britânico Peter Hain
renunciou ao cargo ao ser investigado sobre doações de campanha não declaradas.
Em 2009, o chefe de polícia chileno Arturo Herrera entregou o cargo após denúncias
de corrupção. Em 2011, o ministro japonês Toshikatsu Matuoka se suicidou ao ser
envolvido em escândalo de desvio de dinheiro público. Em 2012, o presidente
alemão Christian Wulff renunciou ao cargo por suspeita de corrupção. Em 2013, o
governador de Tóquio Naoki Inose renunciou ao cargo por ter recebido dinheiro
para compra de votos. Em 2014, o funcionário municipal chinês Zhou Jianhua foi
condenado à morte por ter recebido suborno e o Rei Juan Carlos I da Espanha abdicou
em meio a inúmeros problemas de corrupção, gastos extravagantes e atitudes incompatíveis
com o tempo histórico envolvendo membros de sua família.
Se acompanharmos a guerrilha
digital e impressa que transcorre, financiada largamente com o dinheiro escuso,
ranços, imagens, censuras, fragmentos, microtextos, raciocínios curtos e
bobagem massiva fortalecem a estratégia do combate ao adversário próximo e
contribuem com a missão impossível do grupo dominante, tornar um fora da lei
candidato a mais alta magistratura (no sentido romano do termo). Mas, “a lei,
ora a lei”, como relembra o advogado e desembargador moral João Batista
Ericeira em recente artigo.
Os ataques dirigidos contra
Edivaldo Holanda (São Luís), Léo Coutinho (Caxias), Ribamar Alves (Santa Inês),
Luciano Leitoa (Timon) e Rocha Filho (Balsas) são correias de transmissão da
velha estratégia, cujo alvo principal é o pré-candidato Flávio Dino, sobretudo
pelo apoio crescente e expressivo que tem carreado nos últimos meses. É como se
por afiançar apoio nas eleições, Flávio Dino tivesse virado prefeito desses
municípios. Leda conclusão. Novamente o monopólio da mídia favorece a
oligarquia. Quando se vê o noticiário local tem-se a impressão de só existir
esses municípios, sobretudo São Luís. Não que se discorde in totum das críticas divulgadas, mas os problemas apontados são os
mesmos que afligem as cidades grandes, médias e pequenas do Maranhão e do
Brasil. Se alguém se deu o trabalho de gravar um noticioso local ou guardar página
de jornal de qualquer dia do ano de 1991, perceberá problemas recorrentes ainda
hoje: transporte público ruim, falta de água, ruas esburacadas ou escuras,
ausência de saneamento básico, asfalto de baixa qualidade ou ausência de
asfalto, buracos que aniversariam, invasões, investimentos e benfeitorias concentradas
em áreas habitadas pela elite, dentre outros.
Se recuarmos mais ainda no
tempo, mergulhando na contribuição do economista e educador Raimundo Palhano,
publicada no livro “Coisa Pública: serviços públicos e cidadania” (1988)
verificaremos que em São Luís as camadas populares não tem acesso aos serviços
públicos, privilégio do consumo privado de sua elite desde o século XIX. A água
não aplacava a sede, eram águas sórdidas; alguns eram limpos e muitos sujos, o
lixo era destinado ao mar (áreas civilizadas) ou aos terrenos vazios e ruas
(áreas periféricas); a rua nunca foi o salão nobre do povo, apenas as grandes
vias e as da área nobre recebiam melhorias; a cidade era escura, vivia noites
de breu; os burros venceram o progresso, só deixaram de puxar os bondes em
meados dos anos 1920. Logo depois, os bondes foram substituídos pelos ônibus,
daí por diante uma máfia imovível se aboletou do transporte público municipal.
As administrações municipais,
todas elas, padecem de carência de receitas próprias, incapacidade de
elaboração de projetos adequados para captação de recursos, gestão temerosa dos
recursos transferidos pela União, baixíssima capacidade técnica instalada, ineficiência
crônica, ausência de burocracia profissional e liderança na gestão pública,
prevalecendo o favor e o contrato como meios para humanizar as Secretarias Municipais.
Os prefeitos apagam diariamente incêndios, mas não visualizam sequer uma
clareira. O endividamento, a falta de planejamento e a ação pontual os fazem presas
das demandas localistas de vereadores e lideranças que veem no Estado (em
sentido amplo) um butim e um paraíso a ser vilipendiado até o limite da
expulsão. Além disso, os faz alvo mais frágil e suscetível de adversários
poderosos ou experts golpistas.
Os
estudos para o Programa de Governo do pré-candidato Flávio Dino apontam com
clareza meridiana: somos o penúltimo Estado brasileiro em distribuição de renda;
dentre os 50 municípios mais pobres do Brasil, 32 estão localizados no Maranhão
e dos 15 municípios com menor renda per capita, 10 estão situados em solo
maranhense. A região da Baixada e do Mearim concentra boa parte desses
municípios, entretanto, nenhuma matéria diária os menciona.
Eis aí desafio realmente
complexo para um novo governo que seja construído dentro da lei, não mais à
margem da lei como tem sido. Recriar o Escritório Técnico de Administração
Municipal (ETAM), extinto nos anos 1990, mas inspirador silencioso de
iniciativas como a Assessoria aos Municípios para o Desenvolvimento da Educação
(AMDE) criada no Governo José Reinaldo e mantida pelo Governo Jackson, é uma
das possibilidades concretas para apoiar o fortalecimento institucional das
Prefeituras e o desenvolvimento dos municípios.
Os municípios do Maranhão em
hipótese alguma irão resolver seus problemas recorrentes sem o apoio do Governo
do Estado como ente coordenador das políticas públicas e mediador destas junto
a União. Ainda assim, acreditar que somente pela ação do Estado (em sentido
amplo) tudo será resolvido é outro equívoco. O pensamento cômodo e
politicamente direcionado necessita encontrar um culpado para depositar seus
rasos julgamentos na base do chicote e da cascaria.
Diante da ameaça de final
desolador e sem honra, o texto de Sônia Hurtado nos remete a necessidade de
virar a página, sob o risco de se ir ferindo, envenenando-se e amargando
lentamente. Essa é uma lição fundamental para quem ingressa na política, a qual
pode até durar a vida toda, contudo, o poder não. Há que se fechar o círculo
quando chegada a hora. O pior é não perceber essa hora, a hora de dizer adeus, espernear
como eternas crianças envergonhando os cabelos prateados, como cantou Luiz Gonzaga;
apesar de já possuírem imerecidamente um museu privado envolto nas brumas do crack consumido no Centro Histórico de
São Luís à custa do povo.
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