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OBAMA NO BRASIL II

Acredito que qualquer político em início de carreira deve ser alvo de muitas depreciações, seja porque não lhe reconhecem como tal, seja porque sempre minimizam o trabalho realizado como algo banal ou simplório. Assim imagino a reação ao Obama dos primeiros anos, começando seu agir político nas comunidades, atuando em prol da organização das pessoas para resolverem os problemas mais agudos que lhes afetam.

A incapacidade de reconhecer tem raiz no apagamento do outro, enxergar no outro não um parceiro e igual, mas um mero semovente útil para determinadas tarefas e circunstâncias. Os tempos de mentiras aceleradas pela velocidade dos fluxos de informação constroem biografias precoces e também desumanizam abruptamente. Agradecer é reconhecer, pois não se constrói nada duradouro sem a participação de muitos outros, anônimos ou cavaleiros marginais, à margem, mas cavaleiros. Cada um traz seu tijolo para o edifício da história.

A comparação é um recurso comum para nos posicionarmos sobre quase todos os assuntos e certamente Obama ao se candidatar a Presidência dos Estados Unidos deve ter ouvido muito sobre sua inexperiência administrativa, poucos mandatos eletivos e outras questões daqueles que já estão e não querem concorrentes, ou daqueles que tem seus preferidos e não aceitam outsiders ao círculo pré-estabelecido pelo pragmatismo do poder real.

Conhecemos o preceito bíblico de que se você for leal com pouco, muito mais lhe será confiado e se não for até o pouco lhe será retirado. Imagino que a tradição cristã de Obama lhe tenha reforçado essa convicção em não esperar a mudança vinda dos salvadores destinados ao poder, mas em enxergar em si mesmo a capacidade e as condições para realizar a mudança desejada pela sociedade. Daí se extrai a força para resistir e persistir aos racismos e homofobias disfarçados pelo involucro falsamente neutro da competência profissional e do mérito.

Obama enfatizou a relevância dos valores éticos para o exercício da atividade política, pois cada vez mais os cidadãos norte-americanos não sentem controlar as decisões tomadas em Washington. O paralelo com Brasília é perfeitamente cabível. Se os cidadãos não sentem que seus interesses estão representados, cresce a ojeriza à política e aos políticos na mesma proporção dos movimentos autoritários que se lançam pelas redes sociais conquistando jovens, classe média e segmentos conservadores.

O estado de direito foi enfatizado como algo indispensável para engajar as pessoas na política e fortalecer o tecido democrático, criando uma cultura cívica saudável. Obama definiu estado de direito como os políticos trabalhando para servir a todos os cidadãos e sendo punidos em caso de corrupção. Política só funciona quando há comprometimento e um quadro de referências comum que nos permita debater em bases reais.

Não há dúvida que existe mudança climática, então o debate deve se travar em formas de resolvê-la, não em teorias conspiratórias que teimam não existir aquecimento global. Paulo Freire é o educador brasileiro mais conhecido no mundo, de um povoado no interior da Tanzânia na África, às costas do Chile na América do Sul ou nos centros de pesquisa educacional dos Estados Unidos. Vamos debater as contribuições de Paulo Freire para superarmos nossos desafios educacionais e não difamá-lo buscando rótulos intelectualmente empobrecidos.

A visão de Obama caminha para a necessária renovação da política e dos políticos. Quanto mais tempo as mesmas pessoas ficam anos e anos no poder, mais desgastada fica a política, pois se perde o ânimo. Obama entende que muito tempo no poder significa menos vida e menos capacidade de fazer o melhor pelo país. O foco da visão está no Congresso Americano, entretanto, basta olharmos para o Congresso Nacional e a importância de renovarmos a política se agiganta. A mediocridade não é um destino e pode ser mudada com perseverança e ação decidida.

Ainda que o Fórum se intitule Cidadão Global, Obama atualmente se dedica ao engajamento da juventude na política a partir do local, das comunidades, onde ele mesmo começou sua vida cidadã. A Fundação Obama está criando um programa de formação de líderes cujo objetivo é reunir jovens de 15 ou 16 anos e perguntar o que eles desejam mudar em suas cidades, treinar jovens para pensar e fazer a mudança que desejam.

Obama afirmou que dedicará o resto de sua carreira a estimular o engajamento político das pessoas, especialmente quanto à forma como são governadas e preparar a próxima geração de governantes. Os partidos se mostram incapazes de realizar tal tarefa porque partem dos imperativos categóricos de esquerda, centro ou direita, não conseguem desenvolver metodologias conectadas ao tempo presente e a realidade vivida por cada um de nós. Eis o grande desafio que a sociedade civil americana consegue enfrentar de forma mais consistente que a nossa.

O cidadão global modernoso é o mesmo cidadão planetário ou cidadão internacionalista cujo modelo pode ser encontrado em Che Guevara lutando pela libertação de povos na África e nas Américas, em Gabriel García Márquez com sua diplomacia discreta, ou no Papa Francisco com sua mensagem de paz ativa e ecumênica gerando reconciliações como a da Colômbia.

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