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REPUBLICANIZAR O JUDICIÁRIO, PUNIR OS CURRUPTOS

Jhonatan Almada, historiador, escreve às sextas-feiras no Jornal Pequeno

Uma conquista fundamental para o avanço civilizacional no Brasil é a independência e funcionamento autônomo das instituições. Na última década acostumamo-nos a ver a Polícia Federal e o Ministério Público Federal a agir, investigar e prender. Algo inédito mesmo para a nossa recente democratização pós-ditadura militar de 1964.

Uma nota dissonante ainda incomoda. No Brasil e no Maranhão em particular, as instituições nunca conseguiram funcionar com independência, nem mesmo as representações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Lembro dois casos que mesmo funcionando redundaram em coisa nenhuma. Existe uma instituição totalmente avessa e claramente voltada para os interesses próprios e das elites que retarda e tarda todas as demais.

O Judiciário por intermédio do Supremo Tribunal Federal arquivou o processo decorrente da Operação Lunus de 2002. Aquela em que R$ 1,2 milhão foi encontrado em empresa de propriedade de Roseana Sarney, derrubando sua pretensiosa candidatura à Presidência da República. Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça anulou as provas da Operação Boi Barrica em 2011. O mesmo Judiciário censurou o jornal “O Estado de São Paulo” em 2009. Fernando Sarney continua livre e ninguém foi para a cadeia.

O ponto de viragem do Judiciário foi o processo do Mensalão no Supremo Tribunal Federal. Pela primeira vez sinalizou-se que a justiça não é só para os pobres. Apesar de eu suspeitar profundamente de que se os atores fossem outros, ninguém teria sido punido. Precisamos de mais tempo para saber se essa viragem se sustenta ou se foi mais uma ilusão republicana em terras de trombeteiros.

A Operação Lava Jato que apura a corrupção da Petrobrás e uma miríade de esquemas, empresas e políticos não conseguiu ter eficácia quando chegou a Edison Lobão e Roseana Sarney, com indícios claros de recebimento de propinas. A velocidade do Judiciário teima em correr de forma diferenciada, contra a corrente. Temo que em relação a esses dois atores os resultados sejam similares às operações anteriores.

Apesar dessas salvaguardas, devo elogiar a Polícia Federal pela Operação “Sermão aos Peixes” que desarticulou uma organização criminosa acusada de desvios milionários na Saúde Pública de nosso estado. Essa organização criminosa era chefiada por Ricardo Murad, secretário da pasta no Governo Roseana Sarney e cunhado da governadora. Desvios feitos, diversos mandatos foram conquistados e pagos por dinheiro de corrupção. Esses acusados desfilavam arrogância e moralismo há uma semana.

A Polícia Civil do Maranhão, pela primeira vez em muitos anos também passa por um processo de republicanização. Cito as operações que prenderam empresários, agiotas e políticos envolvidos com eleições e corrupção junto a Prefeituras Municipais, bem como, as que complementaram a Operação Lava Jato da Polícia Federal, prendendo outros figurões locais. Faço fortes votos para que esse ponto de inflexão da Polícia Civil se fortaleça e se sustente no tempo.

Padre Antônio Vieira no “Sermão aos Peixes”, que batizou a Operação da PF, faz duras acusações aos homens por intermédio de sua crítica ao comportamento dos peixes. Segundo Vieira “os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos senão que devoram e engolem os povos inteiros”. Não está aí o apetite insaciável dos que exercem o poder, incapazes de não confundir, não corromper ou corromper-se por um dinheiro de todos, cuja responsabilidade e zelo deveria ser sua?

Uma barriga do fim do mundo, onde nenhum dinheiro consegue preencher ou saciar. Milhões de reais desviados, bilhões de reais desviados, repetidamente. Ninguém pense que essas movimentações da Polícia Federal e da Polícia Civil constrangem aqueles que roubam. A mudança dessa cultura é mais lenta. Agem pela crença de que jamais serão descobertos a despeito da intolerância crescente em relação aos políticos e da ampla ojeriza popular em relação a corrupção. Quanto mais republicanas as instituições, mais confiamos que esses peixes serão extirpados.

Não existe constrangimento. No mesmo dia da Operação da PF, Roseana Sarney lançou livro em dois volumes com suas realizações e resultados dos quatro mandatos governamentais à frente do Maranhão. Ora, esse esforço não era necessário. As realizações e resultados estão visíveis ainda, pobreza, miséria, falta de água, péssimas estradas, ensino de baixa qualidade, saúde precária. Se nada disso existisse seu grupo teria continuado no poder. Não há resultado maior do que se ver rejeitada pelas urnas e expulsa da vida pública, coroando-se o conjunto da obra pela quarta Operação da Polícia Federal em mais de duas décadas de mandatos.

Ainda Padre Vieira adverte “os maiores que cá foram mandados, em vez de governar e aumentar o mesmo Estado, o destruíram; porque toda a fome que de lá traziam, a fartavam em comer e devorar os pequenos”. O desafio cotidiano que nos move é reconstruir o Estado, alimentando os famintos da corrupção com cadeias e grilhões, aplicando de forma honesta os dinheiros públicos para saciar a verdadeira fome, a fome de justiça.

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