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IMBECILIDADE NAS REDES SOCIAIS

Jhonatan Almada, historiador, escreve às sextas-feiras no Jornal Pequeno

A grande dificuldade de ter sofrido sob um mesmo jugo opressivo é, ao se ver livre dele, não conseguir enxergar algo melhor e pior ainda, se identificar com o opressor. As redes sociais possibilitam visualizarmos essa impressão que em outros tempos estaria subsumida nas cabeças ou nas conversas de mesa de bar. A imbecilidade, graças às redes sociais, se tornou pública, visível e identificável. O racismo, o machismo, a xenofobia, a ignorância pura e simples, desfilam como roupa em vitrine. A ignorância daqueles que tem algum saber instituído e a ignorância daqueles que fazem questão de não saber.

O desafio de construir um novo projeto societário é muito mais profundo. Não estão presentes nas redes sociais a imensa maioria do povo brasileiro. Cito o exemplo do Maranhão, com 67% de exclusão digital, somente uma pequena parcela da população tem acesso à internet. Isso significa que apenas as antigas classes opressoras e parte das classes que ascenderam socialmente nos últimos anos conseguem exprimir com mais forças suas opiniões, muitas como enxurrada de banalidades, achismos e bobagens.

O provincianismo agrava nosso quadro de exclusão digital. O provincianismo significa a absolutização do local. Não conseguimos perceber nossa inserção no país e no mundo, tendemos a ignorar o restante em nome de um pretenso conhecimento total de nosso lugar. Mais que um comportamento individual, isso aparenta ser fruto de uma preguiça coletiva acostumada com a facilidade de aderir a um pensamento, uma postagem, uma opinião do outro, seja crítica, cômica, machista, fascista ou nonsense.

Enquanto provincianos somos arrastados por algo maior e que nos precede. As marcas monárquicas do Brasil por exemplo. O Judiciário é o exemplo maior dessas reminiscências como suas vestes talares, os servidores da corte, as regalias, as despesas, os carros com motorista, a linguagem rebuscada, as insígnias, as mansões, tudo confluindo em um poder dos menos transparentes e mais corruptos do mundo.

Três casos são sintomáticos dessa imbecilidade nas redes sociais. A citação de Simone de Beauvoir no último Enem nos brindou com uma onda de ignorância, motivada pelo mais profundo desconhecimento e machismo. O principal surfista dessa onda foi o promotor de justiça Jorge Alberto de Oliveira Marum, um dos muitos privilegiados do serviço público que apesar de receber salário desproporcional em relação à média do funcionalismo se desobrigou de estudar. Tenho fundadas dúvidas se o promotor conseguiria entender “O Segundo Sexo”, se um dia lesse.

Bem antes disso, quando da visita do Papa Francisco à Bolívia. Muitos criticaram o presente do presidente Evo Morales ao Papa: uma cruz estilizada com a foice (símbolo dos camponeses) e o martelo (símbolo dos trabalhadores) esculpido pelo padre jesuíta Luís Espinal. Este espanhol se dedicou ao povo da Bolívia no seu sacerdócio aliando jornal e cinema à sua pregação pela democracia em tempos de opressão. Criticaram a cruz pela expressão no rosto do Papa seguida por milhares de comentários medievais.   

Por fim, a exaltação a Jair Bolsonaro como salvador da pátria e possível candidato a Presidente coroa essa montanha de estupidez. Conservador, filhote e defensor da ditadura militar, anticomunista, machista, homofóbico e antiesquerda, esse político conseguiu agregar a velha escória remanescente da ditadura e os jovens de direita. Um vídeo no qual este político prega que todos os bandidos devem ser mortos é acompanhado por elogios, compartilhamentos e curtidas. Como diria Ariano Suassuna não existe limite para os monumentos à imbelicidade humana.


A ressignificação da política e do espaço público são contaminados por esse peso e passam a ser vistas como lugar de usufruto pessoal, carreirismo, funcionando quase sempre como escada, quase nunca como ponte. Banaliza-se a opinião e qualquer lugar onde possa ser expressa. Mudar esse quadro implica em dignificar a atividade política, introduzir novos temas, elevar o debate, implementar educação política, fazer com que o sistema de fato puna os corruptos, evidenciar os políticos que não enriqueceram na política. É difícil, mas não impossível. Acredito plenamente nisso. 

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