Pular para o conteúdo principal

A TRANSIÇÃO DE GOVERNO NO MARANHÃO II - A MINORIA PRIVILEGIADA

Jhonatan Almada, historiador e quadro técnico da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).


Dia 14 de outubro de 2014, a equipe de transição designada pelo governador eleito Flávio Dino esteve reunida com a Secretária-Chefe da Casa Civil no Palácio de Leões. Nesta reunião foi entregue ofício solicitando formalmente as principais informações necessárias ao novo governo.

Somente nove dias depois, dia 22 de outubro de 2014 foi tomada a primeira medida concreta por parte da Governadora Roseana Sarney, isto é, a criação de Comissão interna para prestar informações à Comissão do Governo de Transição pelo Decreto Nº 30.400, de 22 de outubro de 2014. A Comissão interna é formada pela Secretária-Chefe da Casa Civil, o Secretário de Planejamento e Orçamento, o Secretário de Gestão e Previdência, a Procuradora-Geral do Estado e um Advogado da Assessoria Jurídica da Secretaria de Saúde.

O Decreto determina que cada Secretaria crie comissões com a finalidade de reunir as informações necessárias à transição e enviá-las à Casa Civil que fará a compilação, organização e fornecimento à Comissão de Transição do governador eleito. O Secretário de cada pasta é o presidente das comissões setoriais.

O grande ausente do Decreto é o estabelecimento de prazos. Nem para o trabalho dessa comissão interna, nem para o trabalho das comissões setoriais. A ausência de prazo é sintomática, representa o descumprimento do princípio constitucional da eficiência pela administração pública e indica o amadorismo visceral do governo que termina. Dessa forma, as informações fundamentais para o novo governo podem ser fornecidas dia 27 de outubro, dia 31 de dezembro de 2014 ou nunca.

Quem já atuou no Governo do Estado sabe que o cumprimento de prazos não faz parte do espírito da corporação. Impera a inércia na maioria das Secretarias, um processo pode demorar meses ou anos para ser concluído. Certa vez visitei a área administrativa de uma Secretaria à Rua da Estrela e vi pilhas de processos que saíam do lugar somente se o interessado procurasse, caso isso não ocorresse, ali dormitaria o sono da ineficiência. Isso é fruto de uma burocracia não profissional constituída majoritariamente por pessoas exercendo cargos comissionados ou funcionários em desvio de função. Todos mantidos pelas relações de compadrio e parentesco.

Causou certa repercussão a exoneração de uma centena de cargos comissionados da Casa Civil. Vejamos bem, isso é apenas uma centúria das hostes e representa desesperada tentativa de apagar as pistas do inchaço da máquina estatal e seu desvio de finalidade. A Lei Nº 9.340, de 28 de fevereiro de 2011 que aprovou a última reforma administrativa do Governo do Estado criou 915 cargos comissionados, da simbologia ISOLADA a simbologia DAI-5. Não estão incluídos nesta conta, os 32 cargos se Secretário de Estado e os mais de 40 cargos de Subsecretário ou Secretário Adjunto. Não se sabe qual é a remuneração de cada cargo, pois ao contrário do Portal da Transparência do Governo Federal, o Portal maranhense não divulga o nome dos servidores e sua respectiva remuneração. Se falarmos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, a caixa-preta está constituída, tudo que sabemos é por intermédio de denúncias.

A modernização administrativa sempre foi um mote muito utilizado nas campanhas e nos governos de Roseana Sarney, a nosso ver isso foi sempre mais maquiagem que pele. Alguns exemplos saltam aos olhos, escolha a Secretaria e pesquise sua estrutura organizacional, encontrará inúmeros exemplos de irracionalidade e casuísmo. Cito alguns. A Casa Civil possui três Assessorias (do Gabinete, de Monitoramento e de Planejamento) e três Secretarias Extraordinárias (Assuntos Estratégicos, Programas Especiais e Articulação Institucional) tratando de temas equivalentes ou fragilmente definidos. A Secretaria de Educação possui uma Secretaria Adjunta de Projetos Especiais e uma Supervisão de Programas Especiais. A Assistência Social não está na Secretaria de Desenvolvimento Social. Existe uma Secretaria Adjunta de Agricultura, Pecuária e Pesca e uma Secretaria de Pesca e Aquicultura.

Cada Secretaria possui seu próprio site, os quais primam pela obscuridade e intransparência. A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é campeã, não se sabe quem são os dirigentes. Noutras Secretarias constam todas as informações não relevantes e nada sobre os setores, os responsáveis, os telefones, os programas, projetos e ações, o andamento dessas ações ou os resultados alcançados. Não possuem regimentos internos e organogramas atualizados, sequer a referência ao que foi feito no ano anterior. É flagrante a não divulgação dos relatórios anuais das atividades realizadas por cada órgão. Exceção honrosa ao IMESC que manteve a prática iniciada no Governo Jackson Lago e publica seus relatórios anualmente.

Esses elementos são o indício da ação fragmentada, da intransparência e da inorganicidade do Governo do Estado. Isso é corroborado pela desintegração e distribuição espacial dos órgãos públicos na capital. Cada Secretaria é uma ilha no arquipélago do Governo. A carta de navegação que integraria esse descalabro seria a criação de Centro Administrativo que reunisse todos esses órgãos, algo que talvez não seja possível nos próximos 4 anos, tendo em vista a atual conjuntura econômica e financeira.

A inexistência de marcos regulatórios claros é observável em inúmeras áreas de atuação governamental. Somente agora, após 6 longos anos de mandato, a governadora Roseana Sarney resolveu regulamentar a celebração de convênios entre o Poder Executivo Estadual e os Municípios. A Mensagem Nº 75/2014 acompanhada do projeto de lei Nº 199/2014 foi encaminhada dia 22 de outubro à Assembleia Legislativa, materializando esse intento. Os famigerados convênios que ficaram conhecidos como os rugidos dos leões da sede do governo sempre convenciam os indecisos a votarem nos candidatos da situação.

Para garantir o título de legisladora tardia ou legisladora para os outros, a governadora Roseana Sarney resolveu também regulamentar o acesso à informação instituído pela Lei Federal Nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Essa lei possibilitou o conhecimento público de todos os gastos do Governo Federal, medida de fundamental transparência, sem similar no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado) ou no Judiciário (Tribunais Superiores). A Mensagem Nº 76/2014 acompanhada do projeto de lei Nº 200/2014 é a testemunha viva do quanto à transparência pública e o respeito ao princípio da publicidade nunca foram observados no Maranhão.

A transição de governo no Maranhão tem se caracterizado pela ausência de prazos e marcos regulatórios estabelecidos, intransparência, desorganização, inchaço da máquina e desvio de finalidade do Estado. Longe de atuar pelo bem comum da população, fica cada vez mais claro, o Governo Roseana Sarney beneficiou de forma continuada uma minoria de privilegiados, pessoas pertencentes a famílias servis ao grupo dominante que provavelmente recebiam sem trabalhar. Entendo que em vez do primado da coisa pública houve a prevalência dos interesses privados, pagos com nosso dinheiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,

Tetsuo Tsuji - um sumurai em terras do Maranhão

Esta semana faleceu meu querido amigo Tetsuo Tsuji (1941-2023), um sumurai em terras maranhotas. Nascido em 13 de julho de 1941 em São Paulo construiu sua carreira lá e no Maranhão. Neste espaço presto minha sincera homenagem. Formado em Administração Pública e Direito pela USP, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-FGV e doutor em Administração pela USP. Tetsuo trabalhou na Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo e foi professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Largou tudo e veio para Maranhão ser empresário na área de agricultura e pesca, formou família. A vida acadêmica volta na Universidade Federal do Maranhão-UFMA onde se tornou professor e reconstruiu carreira. No Maranhão foi pioneiro nos estudos de futuro e planejamento estratégico, contribuindo para o processo de planejamento do desenvolvimento no âmbito do Governo do Estado. É aqui que nos conhecemos, na experiência do Governo Jackson Lago (2007-2009). Tinha uns 2

A escola honesta

a) O que falta na escola pública? 69% não tem bibliotecas 91% não tem laboratório de ciências 70% não tem laboratório de informática 77% não tem sala de leitura 65% não tem quadra de esportes 75% não tem sala de atendimento especial São dados do Censo Escolar de 2022 e que acompanho há mais de 10 anos, afirmo com segurança, pouco ou quase nada mudou. b) E as propostas de solução? - formação continuada - flexibilidade curricular - gestão por resultados - avaliações de aprendizagem - plataformas a distância - internet Darcy Ribeiro finaliza um dos seus livros mais emblemáticos dizendo que nossa tarefa nacional é criar escola honesta para o povo. Quando?