Pular para o conteúdo principal

Uma mensagem de fim de ano

Uma mensagem de fim de ano

Gostaria de escrever uma mensagem de fim de ano, saudando o ano vindouro e agradecendo o que se foi.

Também gostaria de escrever versos alegres, porém os tristes são mais pungentes. Esse ano foi um verdadeiro cão negro sobre dias tão radiantes que se anunciavam ante noite quase cinquentona que nos assombrava e insiste em assombrar até agora.

Gostaria de transmitir a grande satisfação que vem com os olhos da descoberta, melhor dizer
os ouvidos sobre o novo, quando ao acaso encontrei no youtube a conferência de Jorge Luis Borges sobre a cegueira, que lhe afetava desde a metade dos seus anos ao cabo da vida.

E ouvi, primeiramente, e depois li, um trecho fenomenal que compartilho:
"Un escritor, o todo hombre, debe pensar que cuanto le ocurre es un instrumento; todas las
cosas le han sido dadas para un fin y esto tiene que ser más fuerte en el caso de un artista. Todo lo que le pasa, incluso las humillaciones, los bochornos, las desventuras, todo eso le ha sido dado
como arcilla, como material para su arte; tiene que aprovecharlo. Por eso yo hablé en un poema del antiguo alimento de los héroes: la humillación, la desdicha, la discordia. Esas cosas nos fueron
dadas para que las transmutemos, para que hagamos de la miserable circunstancia de nuestra vida, cosas eternas o que aspiren a serlo."

Borges aqui não poderia ter sido mais claro se enxergasse, disse isso nos idos de 1977, como a que
nos dar, após esse ano aparentemente tão negro, uma lição em retrospecto - tomarmos essas
contrariedades e frustações que o golpe judicial que se abateu sobre nós esse ano, como argila (arcilla) de um amanhã próximo, redobrando nossas forças para enfrentar o labor que se acerca.

Borges nos ensina com seu exemplo, e digo isso do quarto de anos que tenho, sobretudo -
que a infinita capacidade humana de se reinventar e transformar não se curva às circunstâncias físicas, dificuldades ou fatalidades, podemos sempre fitar outro horizonte e a ele chegar.

Senti que já tinha lido algo parecido ao que Borges disse, e esse algo já compartilhei com uma boa amizade. O velho Manoel Bandeira, de vida inteira estrela, na altura de 1931, dizia:
"Os artistas têm reservas surpreendentes de alegria criadora. Muitas vezes, quando o ambiente social mais se afunda na apagada e vil tristeza que vem da falta de dinheiro, das dificuldades da vida, das incertezas aflitivas da situação, é que eles, aliás as primeiras vítimas dessas depressões, mais sentem a necessidade de afirmar bem alto aos homens entristecidos a preexcelência das criações espirituais desinteressadas".

Bandeira, companheiro constante nas horas de vaguidão, expressou com tanta propriedade o que Borges falou 46 anos depois. Essa crença de que a despeito da realidade nos gritar todos os dias nos solavancos dos ônibus dessa ilha, a despeito de tantas outras coisas por detrás de sempre-viva sonrisa, nossas energias criadoras, transformadoras não diminuem, aumentam cada vez mais, aperfeiçoam o que acumularam e ampliam as potencialidades das urdiduras.

Bandeira questiona por que tanto sofrimento se lá fora a noite é canto e vento, nos convidando para comprovar a preexcelência e fazer nossas criações espirituais desinteressadas. Almejando que sejam eternas como queria Borges, ou ouvidas, lidas, sentidas, pela paciência de pelo menos um, homem ou mulher de boa vontade.

Enfim, já que o amanhã não está tão distante, convido-os a aceitar também o desafio dos poetas mortos, dar vida e alegria criadora ao ano nascente, almejando o eterno, a despeito do a despeito.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BANQUE O DURO, MEU CHEFE

BANQUE O DURO , MEU CHEFE ! Por Raimundo Palhano Não deixe o seu lugar. Foi o conselho do venerável Bita do Barão de Guaré ao presidente do Senado, José Sarney, que, ao que parece, está sendo levado extremamente a sério. Quem ousaria desconsiderá-lo? Afinal, não se trata de um simples palpite. Estamos frente à opinião de um sumo sacerdote do Terecô, um mito vivo para o povo de Codó e muitos outros lugares deste imenso Maranhão. Um mago que, além de Ministro de Culto Religioso, foi agraciado pelo próprio Sarney, nos tempos de presidência da República, com o título de Comendador do Brasil, galardão este acessível a um pequenino grupo de brasileiros. Segundo a Época de 18.02.2002, estamos falando do pai de santo mais bem sucedido, respeitado, amado e temido do Maranhão. Com toda certeza o zelador de santo chegou a essa conclusão consultando seus deuses e guias espirituais. Vale recordar que deles já havia recebido a mensagem de que o Senador tem o “corpo fechado”. Ketu,

Tetsuo Tsuji - um sumurai em terras do Maranhão

Esta semana faleceu meu querido amigo Tetsuo Tsuji (1941-2023), um sumurai em terras maranhotas. Nascido em 13 de julho de 1941 em São Paulo construiu sua carreira lá e no Maranhão. Neste espaço presto minha sincera homenagem. Formado em Administração Pública e Direito pela USP, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas-FGV e doutor em Administração pela USP. Tetsuo trabalhou na Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo e foi professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Largou tudo e veio para Maranhão ser empresário na área de agricultura e pesca, formou família. A vida acadêmica volta na Universidade Federal do Maranhão-UFMA onde se tornou professor e reconstruiu carreira. No Maranhão foi pioneiro nos estudos de futuro e planejamento estratégico, contribuindo para o processo de planejamento do desenvolvimento no âmbito do Governo do Estado. É aqui que nos conhecemos, na experiência do Governo Jackson Lago (2007-2009). Tinha uns 2

A escola honesta

a) O que falta na escola pública? 69% não tem bibliotecas 91% não tem laboratório de ciências 70% não tem laboratório de informática 77% não tem sala de leitura 65% não tem quadra de esportes 75% não tem sala de atendimento especial São dados do Censo Escolar de 2022 e que acompanho há mais de 10 anos, afirmo com segurança, pouco ou quase nada mudou. b) E as propostas de solução? - formação continuada - flexibilidade curricular - gestão por resultados - avaliações de aprendizagem - plataformas a distância - internet Darcy Ribeiro finaliza um dos seus livros mais emblemáticos dizendo que nossa tarefa nacional é criar escola honesta para o povo. Quando?